2018, o “annus horribilis” para as artes?
Atrasos nos apoios estatais agravaram drasticamente as condições de trabalho e o endividamento das estruturas nas áreas das artes do palco, mas também da música, das artes visuais.
Atrasos nos concursos, manifestações, protestos, cartas abertas e ainda várias demissões – 2018, anunciado como o ano da entrada em vigor de um ansiado novo modelo de apoio de artes que finalmente traria estabilidade ao sector, foi afinal o “annus horribilis” da política cultural do Governo nessa área.
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Atrasos nos concursos, manifestações, protestos, cartas abertas e ainda várias demissões – 2018, anunciado como o ano da entrada em vigor de um ansiado novo modelo de apoio de artes que finalmente traria estabilidade ao sector, foi afinal o “annus horribilis” da política cultural do Governo nessa área.
A legislatura começou, no final de 2015, com alguma distensão, após quatro anos de Governo PSD/PP sob o manto da “troika”, em que a Cultura – como é costume em tempos de crise – foi uma das áreas mais sacrificadas. O ano seguinte praticamente abriu com a demissão inesperada, em Abril, de João Soares, substituído pelo poeta e diplomata Luís Filipe Castro Mendes na cadeira principal do Palácio da Ajuda.
O seu secretário de Estado, que ficou com a tutela da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), Miguel Honrado, “decretou” então um “ano zero”, destinado a “pensar num novo modelo de apoio às artes” e a contrariar a visão desta direcção como um simples “guichet de distribuição de financiamentos”. Mas esse ano transitório estendeu-se bem para além do previsto, provocando atrasos nos apoios estatais que agravaram drasticamente as condições de trabalho e o endividamento das estruturas nas áreas das artes do palco, mas também da música, das artes visuais e dos cruzamentos disciplinares.
Mas o pior aconteceu quando, no início de Março de 2018, foram conhecidos os resultados dos concursos, que excluíram estruturas de referência por todo o país, da Casa Conveniente (Lisboa) à Circolando (Porto), d’A Escola da Noite (Coimbra) ao Festival Internacional de Marionetas do Porto, da Orquestra Clássica do Centro (Coimbra) à associação Circular (Vila do Conde), do Teatro Experimental do Porto (TEP) ao Centro de Artes Visuais (Coimbra).
Acabara o estado de graça na Cultura, e o próprio primeiro-ministro era convocado pelos artistas a intervir – o que acabou por fazer, anunciando sucessivos reforços de verbas para o sector. Simultaneamente, reabriu-se a discussão sobre o modelo dos apoios, quase unanimemente rejeitado. Mas, pelo caminho, caiu a própria directora-geral das Artes, Paula Varanda, apanhada num processo de “incompatibilidades” por via da sua ligação a uma associação de dança no Alentejo (outras duas dirigentes entraram e saíram até a DGArtes voltar a ter sossego, em Fevereiro do corrente ano, com a nomeação de Américo Rodrigues). E, em Outubro de 2018, era a própria equipa da Cultura que caía, numa nova remodelação governamental em que Castro Mendes foi substituído por Graça Fonseca – a terceira ministra em três anos.
É já sob a gestão desta socialista ex-secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa que, à entrada para o último ano antes das legislativas, a DGArtes conhece o maior aumento no seu orçamento, perto de 30 por cento (de 22,2 para 28,8 milhões de euros), para ser gerido com base num modelo reformulado à luz dos reparos feitos pela comunidade artística. Com a promessa da antecipação e regularização dos calendários dos concursos. À procura da tranquilidade num sector sempre muito volúvel, e que muitas vezes compensa na rua, na comunicação e nas redes sociais a ausência de poder efectivo no espaço político.