Parlamento Europeu reuniu-se para analisar “conflitos de interesses” dos futuros comissários
O marido da comissária indicada por Portugal é presidente da CCDR-Norte, responsável pelo programa Operacional que recebe o maior envelope de fundos comunitários do país
A Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu reuniu-se nesta quinta-feira em Estrasburgo, naquele que é o primeiro passo do procedimento regimental da aprovação da próxima Comissão Europeia e que passa pela análise da declaração de interesses financeiros apresentada por cada um dos indigitados.
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A Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu reuniu-se nesta quinta-feira em Estrasburgo, naquele que é o primeiro passo do procedimento regimental da aprovação da próxima Comissão Europeia e que passa pela análise da declaração de interesses financeiros apresentada por cada um dos indigitados.
Na véspera desta reunião, uma eurodeputada francesa eleita pelo partido Os Verdes indicava quais eram as nomeações que, em seu entender, poderiam levantar problemas, e entre elas está a indigitação de Elisa Ferreira para a pasta de Coesão e Reformas. Mas há pelo menos mais cinco polémicos, entre a lista de 26 nomes de futuros comissários que estão sob o escrutínio prévio desta Comissão, ainda antes de serem submetidos às audições públicas no Parlamento Europeu.
A comissária portuguesa ficou indigitada para a pasta da Coesão e Reformas, aquela que tem a responsabilidade de tomar todas as decisões sobre os Fundos Comunitários atribuídos para o desenvolvimento das regiões dos vários Estados membros. O marido de Elisa Ferreira, Fernando Freire de Sousa, é presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), organismo responsável pela aplicação dos fundos estruturais, sendo que a região Norte é uma das que recebe em Portugal a maior fatia dos Fundos de Coesão Europeus.
Num tweet onde foi elencando os casos problemáticos que encontra, na referência que fez a Elisa Ferreira e a Freire de Sousa, a eurodeputada Marie Toussaint, coordenadora de Os Verdes na Comissão dos Assuntos Jurídicos, não deixou também de referir o caso em que a ex-eurodeputada era vice-governadora do Banco de Portugal numa altura em que a Caixa Geral de Depósitos estava na mira do supervisor por ter financiado, de forma ruinosa para o banco, o projecto La Seda, cujo vice-presidente era o seu marido.
“A portuguesa Elisa Ferreira era vice-governadora do Banco de Portugal quando um banco estatal financiou o projecto de uma empresa cujo vice-presidente era o seu marido. É nomeada para os fundos regionais pelos quais o marido é responsável por esses fundos para Portugal. Keep cool”, escreveu no Twitter a eurodeputada, confundindo contudo os timings das decisões, dado que o financiamento em questão foi feito em 2007 e Elisa Ferreira só chegou ao Banco de Portugal em 2016 para administradora e só assumiu o cargo de vice-governadora em 2017. Foi nessa qualidade, aliás, que recebeu a auditoria da EY que identificou dezenas de créditos ruinosos aprovados por vários administradores da Caixa, entre os quais se destaca o da La Seda, onde Fernando Freire de Sousa era administrador.
De acordo com as regras comunitárias, “a confirmação da ausência de qualquer conflito de interesses é pré-condição essencial” para as audições em sede do Parlamento Europeu prévias à tomada de posse.
As declarações de interesse dos futuros comissários estão, portanto, a ser escrutinadas e, se houver qualquer dúvida, os escolhidos por von der Leyen serão instados a “esclarecer rapidamente” as questões levantadas. Os eurodeputados podem também pedir esclarecimentos presenciais, ou seja, chamar os comissários designados.
A Comissão de Assuntos Jurídicos pode ainda propor um modo de se ultrapassar o eventual conflito de interesses. “Em casos mais graves, se não houver nenhuma solução para resolver o conflito de interesses, poderá concluir que o comissário designado está incapaz de exercer as suas funções de acordo com os Tratados e o Código de Conduta”.
Antes da tomada de posse dos comissários indigitados, o Parlamento organiza audições com os candidatos propostos para verificar se têm as competências e qualificações necessárias para os cargos propostos. A audição de Elisa Ferreira está prevista para a primeira semana de Outubro
Cada candidato é convidado para uma audição de três horas, transmitida em directo pela Internet, perante a comissão ou comissões parlamentares responsáveis pela pasta que lhes foi atribuída. Após a audição, as comissões responsáveis preparam a sua avaliação da competência do candidato, que é depois ultimada pela Conferência dos Presidentes, composta pelos líderes dos grupos políticos e pelo presidente do PE.
Por vezes, as audições podem resultar na retirada de um candidato ou na alteração das pastas. Em 2014, Alenka Bratušek (proposta para a pasta da energia) retirou a candidatura na sequência de uma avaliação negativa das comissões da energia e do ambiente do Parlamento Europeu.
Só no final destas as audições, o Parlamento terá de aprovar o colégio de comissários no seu conjunto antes de este poder tomar posse.
Quais são os outros cinco casos polémicos?
Conforme detalha a eurodeputada Marie Toussaint, no Twitter, a Comissão de Assuntos Jurídicos também está a avaliar os possíveis conflitos de interesses do húngaro Laszlo Trocsanyi, apontado para a pasta da Política de Vizinhança e Alargamento, cuja “empresa de advocacia recebeu um conjunto de pedidos do Governo… Enquanto ele era ministro da Justiça”.
A romena Rovana Plumb, antiga ministra do Ambiente e candidata à pasta dos Transportes, é suspeita de “abuso de poder” numa “suposta transferência ilegal de uma ilha no Danúbio para empresas privadas”. O caso remonta a 2017 e a ex-ministra terá ajudado um dos líderes do partido Social Democrata (do qual faz parte) no negócio ilícito. “Também terá registado o seu Audi na Bulgária para fugir aos impostos verdes, que ela própria criou durante a sua legislatura”, detalha Toussaint.
A eurodeputada refere ainda os “buracos” e “contradições entre as declarações europeias e nacionais” da francesa Sylvie Goulard (Mercado Interno), do belga Didier Reynders (Justiça) e, novamente, de Rovana Plumb.
Soube-se, no passado sábado, que a polícia belga estava a investigar alegações de corrupção e lavagem de dinheiro contra Didier Reynders, num caso relacionado com a construção da embaixada belga em Kinshasa, na República Democrática do Congo, o arrendamento de um quartel-general da polícia federal, entre outros assuntos, lê-se na edição europeia do Politico.
O polaco Janusz Wojciechowski, candidato à pasta da Agricultura na nova Comissão Europeia, vê-se a braços com uma investigação do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF, na sigla original), respeitante às irregularidades nos reembolsos de despesas de viagens de trabalho, que recuam à altura em que era eurodeputado (entre 2004 e 2016), detalha a Polskieradio24.
Já Sylvie Goulard foi, em conjunto com outros eurodeputados franceses, interrogada sobre os empregos fictícios de alegados assistentes, pagos com fundos europeus — quando na verdade esses assistentes se dedicavam à política nacional, em França. A ex-ministra da Defesa de Macron foi obrigada a reembolsar o Parlamento Europeu em 45 mil euros, correspondentes a sete meses de salário de Stéphane Thérou – que, entre o final de 2013 e o início de 2014 já tinha deixado de ser seu assistente parlamentar. A notícia foi avançada pelo Le Point, no dia 6 de Setembro. O montante já terá sido, entretanto, pago.
Notícia corrigida às 9h50 com o esclarecimento sobre o papel de Elisa Ferreira como vice-governadora do Banco de Portugal no caso do financiamento da CGD à La Seda