Produtores reagem: tirar carne de vaca das cantinas é decisão “infundada”, “alarmista” e “autoritária”

Universidade de Coimbra anunciou que vai eliminar o consumo de carne de vaca nas suas cantinas universitárias a partir de 2020. Agricultores afirmam que decisão é “alarmista” e não tem base científica.

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Rui Gaudêncio / Público

Várias associações do sector criticaram já o anúncio da Universidade de Coimbra de eliminar a carne de vaca das cantinas universitárias a partir de Janeiro de 2020.

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Várias associações do sector criticaram já o anúncio da Universidade de Coimbra de eliminar a carne de vaca das cantinas universitárias a partir de Janeiro de 2020.

Perante a decisão, a Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP) afirma ser “incompreensível que o reitor de uma universidade com setecentos anos de história queira banir um alimento com milhares de anos e que terá contribuído para o desenvolvimento do cérebro dos nossos antepassados”, refere a associação em comunicado enviado à agência Lusa.

A APROLEP cita o patologista Sobrinho Simões, que, em entrevista recente, disse: “Ficámos espertos porque comemos carne”. No entanto, na mesma entrevista ao jornal i, Sobrinho Simões reconhece que “exageramos no consumo de carne”. “Há um consumo como se não houvesse amanhã e hoje em dia é possível que as pessoas façam um auto-controlo e algumas sejam vegetarianas”, continua. 

A organização explica que a carne não é o principal produto das vacarias e que a venda ou engorda dos vitelos machos e das vacas após o fim da vida produtiva “é um complemento fundamental, quando o preço do leite está abaixo do custo de produção”.

“As nossas vacas são criadas com cada vez mais cuidados de bem-estar animal e alimentadas com 80% de alimentos produzidos nas terras que cultivamos. Os restantes 20% incorporam subprodutos da indústria alimentar que o ser humano não consegue digerir e que doutra forma seriam desaproveitados”, lê-se no comunicado.

Salientando que Portugal importa quase 50% da carne bovina que consome, a APROLEP refere que quem se preocupa com a pegada ecológica dos alimentos pode “começar por escolher carne nacional, sem consumo de combustíveis na importação e baseada na pastagem ou cultivo de terras que de outra forma ficariam abandonadas, sendo pasto privilegiado para incêndios”.

“Não ignoramos as alterações climáticas. Como agricultores, seremos os primeiros a sofrer. Faremos a nossa parte para que a agricultura e pecuária sejam parte da solução, mas precisamos da massa cinzenta das Universidades para sermos mais eficientes numa agricultura de precisão”, sublinha.

Impacto nas actividades económicas

Já o secretário-geral da Associação Portuguesa dos Industriais de Curtumes (APIC), Gonçalo Santos, afirma que a decisão do reitor da Universidade de Coimbra não teve em conta o impacto nas actividades económicas do país e que são potenciais empregadoras dos alunos das universidades.

Assim, explicou, além da importância da indústria da carne de bovino na agricultura e no país, não poderá ser esquecida a fileira da indústria dos curtumes, que tem alocada a si uma parcela das emissões de carbono importante que são geradas pela indústria pecuária. “O couro assume assim uma grande importância a este nível”, disse o responsável, lembrando que a pele é utilizada no calçado, refinaria, malas, vestuário, aviões, automóveis e muitas outras indústrias de importância na economia do país.

Por outro lado, disse ainda, é importante saber quais os substitutos da carne de vaca que irão ser utilizados pela Universidade de Coimbra, nomeadamente a sua origem (nacional ou importada) e se geram valor acrescentado para o país. “Há outras formas de se atingir a neutralidade carbónica. Nós estamos na disposição de ajudar o senhor reitor, por exemplo, a criar um kit de recepção aos alunos produzido com o nosso couro, que é um material durável e que poderá ser usado por eles, pelos seus filhos e até quem sabe pelos seus netos”, disse.

A Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri) classificou, por sua vez, de “autoritária e populista” a decisão da universidade. Sublinhando que a Confagri “repudia o radicalismo do reitor da Universidade de Coimbra”, a confederação crê ainda que a decisão é “de duvidosa legalidade, castra a liberdade de escolha das pessoas, mas também contraria a dieta mediterrânica, sem ter uma adequada sustentação científica”.

“A agricultura não pode ser encarada apenas como parte do problema, mas também como evidente solução, porque a floresta, a pecuária, o olival, entre outras actividades, contribuem significativamente para a captura de carbono, logo, o processo de descarbonização também se faz com o recurso à agricultura e com os agricultores”, pode ler-se no comunicado da confederação.

Citado no documento, o presidente da Confagri, Manuel dos Santos Gomes, afirma que as mudanças de comportamentos decorrentes das alterações climáticas “têm de ser feitas com responsabilidade e consciência social, não de forma demagógica e radical”.

“Alarmismos incompreensíveis”

Logo na terça-feira, dia em que o reitor da Universidade de Coimbra anunciou que iria eliminar o consumo de carne de vaca nas cantinas universitárias a partir de 2020 por razões ambientais, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) afirmou, numa nota enviada à agência Lusa, que “a invocada emergência climática”, “desígnio que a todos convoca, não deve — não pode — servir de pretexto para a tomada de decisões infundadas, baseadas em alarmismos incompreensíveis”.

Para a CAP, “a anunciada imposição, que privará alunos, professores e funcionários, de um elemento que faz parte da dieta alimentar portuguesa e mediterrânica, é uma limitação à sua liberdade de escolha e contribui para confundir os portugueses, porque é alarmista e assenta em pressupostos infundados”.

A organização sublinhou ainda que “a redução das importações e o desenvolvimento da agricultura e da produção nacional contribuirá para a captura de carbono e para a diminuição da pegada ecológica, reduzindo, ao mesmo tempo, o saldo da balança comercial”.

Segundo o reitor da universidade, Amílcar Falcão, a eliminação do consumo de carne nas cantinas universitárias a partir de Janeiro de 2020 será o primeiro passo para, até 2030, se tornar “a primeira universidade portuguesa neutra em carbono”.

A carne de vaca será substituída “por outros nutrientes que irão ser estudados, mas que será também uma forma de diminuir aquela que é a fonte de maior produção de CO2 que existe ao nível da produção de carne animal”. Por ano, cerca de 20 toneladas de carne de vaca são consumidas nas 14 cantinas universitárias da Universidade de Coimbra.