A precariedade mora aqui
A precariedade no emprego científico é atualmente uma questão central. Os programas de apoio ao emprego científico sucedem-se, sem serem nunca capazes de lhe pôr termo. A Academia é atualmente a campeã na promoção da precariedade.
O percurso da Ciência em Portugal ao longo das últimas duas décadas logrou colocar Portugal no mapa da ciência europeia. Este percurso, reconhecido por todos e explicitado no relatório produzido pela OCDE, carece agora de reconhecimento e valorização duma geração de investigadores, que sendo a pedra basilar da Ciência em Portugal, continua maioritariamente precária.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O percurso da Ciência em Portugal ao longo das últimas duas décadas logrou colocar Portugal no mapa da ciência europeia. Este percurso, reconhecido por todos e explicitado no relatório produzido pela OCDE, carece agora de reconhecimento e valorização duma geração de investigadores, que sendo a pedra basilar da Ciência em Portugal, continua maioritariamente precária.
A precariedade no emprego científico é atualmente uma questão central. Os programas de apoio ao emprego científico sucedem-se, sem serem nunca capazes de lhe pôr termo. A Academia é atualmente a campeã na promoção da precariedade. Bolseiros, pós-doutorandos, investigadores Ciência, investigadores FCT, docentes convidados, docentes a tempo parcial, docentes de mobilidade externa(!), docentes disto e daquilo... São algumas das muitas categorias de trabalhadores da Academia que vão sendo arrastados na estrada tortuosa de um emprego precário, num claro desrespeito por qualquer uma das vigentes Leis do Trabalho.
Simultaneamente, os quadros desta mesma Academia estão, de acordo com dados da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, profundamente envelhecidos. Depois de mais de uma década sem uma política de contratação clara, só muito recentemente voltámos a ter concursos para docentes de carreira (e pontualmente para investigadores de carreira). A maioria destes concursos está, no entanto, contaminada à partida por velhas práticas de clientelismo e endogamia, pervertendo com frequência os resultados e respetivas contratações, depauperando lentamente a qualidade dos quadros Académicos.
Neste infeliz cenário, os trabalhadores científicos são ainda assim encorajados a acreditar que vivem numa meritocracia; e que se falham, falham por falta de competência ou qualidade… Quando na verdade o mérito é sistematicamente manipulado pelos que detêm o controlo do sistema, impondo aos que estão fora da carreira uma precariedade que eles mesmos nunca conheceram. Este sistema tem sido potenciado por um regime jurídico (RJIES) que, contrariamente àquela que foi a intenção inicial da sua aplicação, tem vindo a ser usado para transformar a Academia num sistema pouco democrático, pouco inclusivo e esvaziado de pluralidade, onde se confunde Autonomia com “estar à margem da Lei”.
A aplicação das políticas de emprego científico preconizadas pela última sessão legislativa culminará (não se sabe quando!) na contratação de cerca de 5000 investigadores e docentes, quase todos eles a termo certo, fora das respetivas carreiras e, como tal, essencialmente precários. Ao abrigo do Prevpap foram submetidos 1662 requerimentos por docentes e 2357 por investigadores. A regularização, de acordo com os números disponibilizados pelo Observatório do Emprego Científico, não deve atingir os 10%. Como resultado desta política desequilibrada, hoje há novamente um elevado número de trabalhadores altamente qualificados dispostos a abandonar Portugal, sem contrato de trabalho, ou com contratos absolutamente desadequados às funções que exercem. Recordo aqui as palavras da Profª Maria de Sousa, Professora Emérita da Universidade do Porto, ao receber o Prémio Universidade de Lisboa em novembro de 2017: “Qualquer Português medianamente inteligente terá vergonha de perder os seus melhores Cientistas”!
A Academia carece de remodelação profunda, que deve começar pela revisão do RJIES. É necessário readequar os quadros das diversas instituições a uma nova realidade de docentes e investigadores, que ensinam na área em que investigam, e que investigam na área em que ensinam, com cargas letivas adequadas (sem que para isso seja necessária uma carreira única), e com claro benefício para os alunos. Isto, obviamente, não se faz sem um reforço sério do investimento do Estado no Ensino Superior e Ciência. Queremos uma Academia capaz de valorizar pessoas, que promove a estabilidade, o mérito e a equidade. Queremos uma Academia inclusiva, em que a Autonomia é garantida pelo financiamento público.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico