Na Amazónia, os criminosos atacam defensores do meio ambiente para destruir a floresta

O relatório da Human Rights Watch indica que a desflorestação ilegal e os incêndios florestais na Amazónia estão relacionados com actos de violência e intimidação contra defensores do meio ambiente no país.

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Nelson Garrido/ARQUIVO

A desflorestação da Amazónia brasileira é impulsionada por redes criminosas criadas por invasores e fazendeiros que usam violência e intimidação contra quem tenta impedi-los, denuncia a Human Rights Watch (HRW) num relatório divulgado esta terça-feira.

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A desflorestação da Amazónia brasileira é impulsionada por redes criminosas criadas por invasores e fazendeiros que usam violência e intimidação contra quem tenta impedi-los, denuncia a Human Rights Watch (HRW) num relatório divulgado esta terça-feira.

O documento de 165 páginas intitulado “Máfias da floresta tropical: como a violência e a impunidade alimentam o desmatamento na Amazónia brasileira”, afirma que a desflorestação ilegal e os incêndios florestais estão relacionados com actos de violência e intimidação contra defensores do meio ambiente no país.

Segundo a HRW, o Governo brasileiro fracassou quando tentou investigar e processar responsáveis por este tipo de crime, deixando de punir a maioria dos responsáveis pelo assassínio de ambientalistas e defensores da maior floresta tropical do mundo.

Os brasileiros que defendem a Amazónia estão a enfrentar ameaças e ataques de redes criminosas envolvidas em extracção ilegal de madeira”, disse Daniel Wilkinson, director interino de direitos humanos e meio ambiente da Human Right Watch.

“A situação só está a piorar com o Presidente [do Brasil, Jair] Bolsonaro, cujo ataque às agências ambientais do país está a colocar em risco a floresta tropical e as pessoas que vivem lá”, acrescentou.

Para elaborar o relatório, a HRW entrevistou mais de 170 pessoas, incluindo 60 membros de comunidades indígenas e outros residentes de três estados amazónicos: Maranhão, Pará e Rondônia.

Segundo a ONG, as redes criminosas geralmente coordenadas por fazendeiros e pessoas que invadem terras ilegalmente actuam na região com capacidade logística de coordenar a extracção, o processamento e a venda em larga escala de madeira, enquanto mobilizam homens armados para intimidar e, em alguns casos, matar aqueles que procuram defender a floresta.

O efeito Bolsonaro

Os investigadores também entrevistaram dezenas de funcionários do Governo em Brasília e em toda a região amazónica, incluindo muitos que mencionaram como as políticas adoptadas na gestão Bolsonaro estão a minar os esforços de fiscalização para impedir a destruição da floresta.

“Durante o seu primeiro ano no cargo, Bolsonaro reduziu a aplicação das leis ambientais, enfraqueceu as agências ambientais federais e criticou duramente organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta amazónica”, diz-se no relatório.

A HRW realizou mais de 60 entrevistas com autoridades envolvidas na aplicação de leis ambientais ou criminais na região, e outras 60 entrevistas com membros de comunidades indígenas e moradores, e encontrou um amplo consenso de que essa violência é um problema generalizado na região há anos.

Mais de 300 pessoas foram mortas na última década no contexto de conflitos pelo uso da terra e recursos na Amazónia, segundo dados recolhidos pela organização ligada à igreja católica Comissão Pastoral da Terra (CPT). A HRW documentou 28 assassínios, quatro tentativas de morte e 40 casos de ameaças de morte no relatório, frisando que em todos estes casos existem “evidências confiáveis de que os responsáveis estavam envolvidos em actos de desflorestação ilegal e viam as suas vítimas como obstáculos ao seu empreendimento criminoso”.

Outro dado alarmante diz respeito ao facto de que os responsáveis por actos de violência na região raramente são levados à Justiça.

“Dos mais de 300 assassínios registados pelo CPT, apenas 14 foram julgados; dos 28 assassínios documentados pela Human Rights Watch, apenas dois foram a julgamento e nenhum dos mais de 40 casos ou ameaças resultaram em alguma punição”, segundo a ONG.

O documento salienta que a falta de responsabilização pelos crimes decorre, em grande parte, do facto de a polícia brasileira não conduzir investigações apropriadas.

“A polícia local reconheceu o seu fracasso e disse que [isto acontece] porque os assassínios ocorrem em áreas remotas. No entanto, a Human Rights Watch documentou omissões flagrantes nas investigações de assassínios ocorridos nas cidades, […] incluindo a falha na realização de autópsias”, destaca o relatório.

As investigações de ameaças de morte não se saem melhor, com autoridades em alguns locais a recusarem-se a registar queixas de ameaças.

“Em pelo menos 19 dos 28 assassínios documentados, ameaças contra as vítimas ou as suas comunidades precederam os ataques. Se as autoridades tivessem investigado, os assassínios poderiam ter sido evitados”, segundo o relatório.

Na conclusão, a HRW apontou que as comunidades indígenas e outros residentes da Amazónia há muito tempo desempenham um papel importante nos esforços do país para conter o desmatamento, alertando as autoridades sobre as actividades ilegais que, de outra forma, poderiam passar despercebidas.

No entanto, a redução da fiscalização ambiental incentiva a extracção ilegal de madeira e resulta em maior destruição da floresta amazónica no Brasil.