Primoz Roglic, um “voador” do esqui a “voar” em duas rodas
Corredor esloveno, que chegou tarde à modalidade, confirmou neste domingo, em Madrid, o primeiro triunfo numa “grande volta”.
Ao final da tarde de ontem, Primoz Roglic venceu pela primeira vez uma “grande volta” do calendário velocipédico, depois de ter “batido na trave” com um terceiro lugar no Giro, já em 2019, e um quarto no Tour, em 2018. A temporada de sonho poderá, de resto, não ficar por aqui, com o esloveno a dispor de algo mais por que lutar ainda neste ano, no contra-relógio dos Mundiais, agendado para dia 25, em Yorkshire
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Ao final da tarde de ontem, Primoz Roglic venceu pela primeira vez uma “grande volta” do calendário velocipédico, depois de ter “batido na trave” com um terceiro lugar no Giro, já em 2019, e um quarto no Tour, em 2018. A temporada de sonho poderá, de resto, não ficar por aqui, com o esloveno a dispor de algo mais por que lutar ainda neste ano, no contra-relógio dos Mundiais, agendado para dia 25, em Yorkshire
O vencedor da Vuelta 2019 tem uma das histórias mais inusitadas do ciclismo mundial. É que se é difícil ser atleta de topo numa modalidade tão exigente, em duas sê-lo-á mais ainda. Esta é, no entanto, uma proeza ao alcance de Primoz Roglic, ciclista que começou nos desportos de neve e foi uma das grandes promessas dos saltos de esqui.
Nascido em Trbovlje, não muito longe da capital Ljubljana, Primoz, ainda criança, não tinha muito por onde escolher: entre as montanhas eslovenas, esperavam-no os desportos de Inverno. Começou, então, nos saltos de esqui e chegou a ser campeão do mundo de juniores, em 2007. Previa-se uma carreira de grande sucesso, mas houve um problema: o talento era turvado pelo azar.
“Infelizmente, sofri muitas lesões que me fizeram perder motivação”, chegou a dizer o esloveno, com especial foco num incidente: pouco tempo depois de ter sido campeão do mundo , caiu numa prova na Eslovénia. Saiu de helicóptero para o hospital, inconsciente, e temeu-se o pior, mas acabou por sair praticamente ileso. Alguns hematomas foram a consequência moderada de uma queda que chegou a assustar.
A sucessão de lesões levou-o a optar, segundo o próprio, “pela melhor decisão tomada na vida”. “Como saltador de esqui, não estava autorizado a andar de bicicleta”, contou, para explicar que o ciclismo nunca esteve presente no seu dia-a-dia. “Posso dizer que fui eu a descobrir o ciclismo e não o contrário. Comprei uma bicicleta e o ‘bichinho’ começou a crescer”, detalhou.
A evolução da “moda”
Aos 24 anos — na maioria dos casos, tarde para alguém se iniciar como profissional numa modalidade —, Primoz Roglic entrou para a pequena equipa eslovena Adria Mobil, três anos antes de ser contratado pela Jumbo-Visma.
Conhecido por ser meticuloso —estuda à exaustão os pormenores das etapas —, Roglic passou, em apenas três anos, de ser um desconhecido a ganhar uma etapa no Giro, em 2016, para ser um dos favoritos à vitória em qualquer prova, em 2019. E isto foi feito num processo de evolução nas capacidades como ciclista.
O especialista em contra-relógio trilhou um percurso tão em voga no ciclismo actual, juntando aos predicados no “crono” a capacidade de ultrapassar as montanhas com os trepadores mais fortes: com isso, tornou-se um “voltista” e, a pulso, começou a subir lugares nas listas de favoritos nas “grandes voltas”.
Já nesta edição da Vuelta, Alejandro Valverde atestou as características de Roglic. “Ele é o mais perigoso. Está a subir bem e, no contra-relógio, é, no papel, o melhor. É complicado vencer com o Roglic em prova”. O espanhol vincou que o esloveno é, “no papel”, o melhor no contra-relógio, mas talvez soe a eufemismo. É que, na estrada, “Rogla” também está entre os melhores: foi o melhor nesta Vuelta e é um dos melhores do mundo.
Na próxima temporada, Roglic terá, na Jumbo-Visma, a companhia de outro “tubarão”: Tom Dumoulin. Até pela contratação do holandês, esta vitória na Vuelta tem um significado importante para o esloveno: antes da chegada de um rival na luta pelo “poleiro” da Jumbo, marca uma posição forte.
Além de ser um crónico candidato à vitória nas “grandes voltas”, Roglic consegue ser forte em corridas de uma semana — já venceu, por exemplo, o Tirreno-Adriático e a Volta à Romandia —, sendo, ainda, uma ameaça permanente para vitórias em etapas de contra-relógio (fê-lo nos dois “cronos” do Giro e no da Vuelta). E até em sprints em grupos reduzidos tem uma boa ponta final para lutar por vitórias em etapas.
Pouco falta, portanto, a este ciclista, em matéria de evolução individual, mas ainda há algo em falta, no que diz respeito à “evolução” da sala de troféus. O quarto lugar no Tour 2018 parece saber a pouco para o esloveno, que, em 2019, poderá trocar o plano Giro+Vuelta por um plano de apenas Tour. E, aí, terá a concorrência de Dumoulin e Krusijwijk.
“No esqui, gostava da sensação de estar no ar, a voar. Acho que é o sonho de qualquer pessoa”. No ciclismo e na estrada, Roglic também está a voar. E, com uma “grande volta” no currículo, já cumpriu um sonho.