Black Sheep: no vizinho americano só há vinhos portugueses

Provavelmente, o mais pequeno bar de vinhos de Lisboa. Na carta, só há vinhos de pequenos produtores de todo o país.

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Pedro Fazeres

A vizinhança é um assunto sério. Uma pessoa muda de casa e reza a todos os santinhos para que os moradores do andar de cima não façam barulho até às tantas, que a vizinha da frente não empeste as escadas com cheiro a peixe frito e que até possa dispensar um bocadinho de sal num momento de maior aperto.

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A vizinhança é um assunto sério. Uma pessoa muda de casa e reza a todos os santinhos para que os moradores do andar de cima não façam barulho até às tantas, que a vizinha da frente não empeste as escadas com cheiro a peixe frito e que até possa dispensar um bocadinho de sal num momento de maior aperto.

Com os bares sucede o mesmo. Os vizinhos podem ditar a sorte de um negócio. Até ver, Brian e Jennifer não se podem queixar da malta da porta ao lado. Pelo contrário, os elogios são tão espontâneos que por momentos se pode duvidar qual é afinal o estabelecimento deles.

Para que não restem dúvidas: é o Black Sheep, na lisboetíssima Praça das Flores, onde calha estar também a Cerveteca, bar de cervejas artesanais. “Fomos uns sortudos”, reconhece Brian Patterson. “Às vezes pode demorar muito a sermos aceites e nós tivemos a sorte de encontrar um sítio onde nos aceitaram imediatamente”, diz, referindo-se aos vizinhos, com quem partilha clientela desde Junho, data em que abriu este pequeníssimo bar de vinhos.

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Fica literalmente na porta ao lado da Cerveteca e isso não foi por acaso. Brian e Jennifer, casal de norte-americanos a viver em Lisboa há uns dois anos, moram ali em São Bento e são frequentadores assíduos dos bares da zona. Quando decidiram montar um negócio próprio e lhes apareceu este pequeno espaço, antiga loja de conservas, ainda torceram o nariz. “Pensei que isto não servia, que era demasiado pequeno”, admite Brian. Jennifer, no entanto, não hesitou: “Não, não, não, vai ser perfeito!”

Com o balcão de madeira do lado direito e uns quantos bancos altos, lá dentro não cabe mais do que uma dúzia de pessoas. E isto já tendo em conta o lugar cativo ocupado por Bear, um cão grande que é a mascote da casa. “Num bar destes, tão pequeno, é impossível não falar com o vizinho do lado”, diz Brian. “Na maioria das noites as pessoas falam todas umas com as outras”, acrescenta ela.

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Era precisamente isso que queriam porque foi isso que encontraram no bairro quando chegaram à cidade. “Não nos mudámos para aqui para nos darmos apenas com outros americanos ou falantes de inglês. Queríamos fazer parte da comunidade, do país”, assevera Jennifer. E Brian parece levar o desígnio muito a sério: “O meu professor de português diz que eu sei mais da História de Portugal do que ele”.

De vinhos portugueses, pelo menos, Brian tem a certeza de perceber. No Black Sheep há cerca de 120 referências, todas portuguesas, todas de pequenos produtores. Conhece uma grande parte deles pessoalmente e as suas vinhas, fruto de constantes visitas ao país nos últimos dez anos. A curiosidade nasceu-lhe há muito mais tempo, na faculdade. “O meu colega de quarto era luso-americano. Comi a minha primeira carne de porco à alentejana com 18 anos”, recorda.

Quando as voltas da vida o levaram a ser vendedor de vinhos, Brian tentou que os néctares portugueses se tornassem mais conhecidos nos Estados Unidos, mas não teve grande sucesso. Agora tenta convencer os lisboetas (e turistas) a interessarem-se por uma parte da produção vínica nacional que ainda passa despercebida. “Uma das coisas boas de Portugal é o orgulho silencioso, a humildade. Os pequenos produtores portugueses têm um orgulho enorme no que fazem, mas não andam aí a gabar-se”, diz. “Ter uma vinha de família é um orgulho enorme, uma relação especial”, completa Jennifer.

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“Os produtores fazem os seus vinhos porque acham que aquilo é o melhor, não porque alguém lhes disse o que era o melhor”, diz Brian. São como ovelhas negras que não vão em cantigas de outros e seguem obstinados o seu caminho. E aí (mas não só) radica o segredo para este bar se chamar como se chama.

Nas prateleiras do Black Sheep há garrafas para levar para casa (divididas entre preço abaixo dos 20 euros e acima), mas todas podem ser experimentadas a copo. Todas as semanas há 18 sugestões diferentes, entre brancos, tintos, verdes, rosé e laranja do Minho ao Algarve, Açores e Madeira (dos 3,5 aos 6 euros). Para os afoitos há também dois cocktails (o residente negroni e um que vai mudando semanalmente), rum e mezcal. Já para aconchegar o estômago há azeitonas, húmus, tábua de queijos e enchidos.

Diz Jennifer que ela e Brian procuraram criar um espaço “menos formal, com certo ar de bar americano”. E de facto há no Black Sheep algo que lembra aqueles dos filmes e das séries onde amigos e vizinhos se encontram ao fim do dia para um copo e dois dedos de conversa. Faz sentido: os clientes, aqui, arriscam-se ao mesmo.

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