O maior problema da cidade ou demagogia pré-eleitoral? Habitação dividiu hemiciclo no Porto
Das nove recomendações e moções apresentadas, só quatro foram aprovadas numa Assembleia Municipal dedicada ao tema da habitação. Oposição e grupo de Rui Moreira não pouparam nas palavras.
O debate já ia longo, com intervenções e apresentação de propostas de todos os partidos com representação na Assembleia Municipal (com excepção do PS, que não expôs recomendações ou moções), quando Rui Moreira pediu a palavra e protagonizou o primeiro momento de agitação no hemiciclo portuense. Puxando dos galões de presidente eleito por um movimento independente, ainda que com o apoio do CDS, acusou as restantes forças políticas de demagogia por levaram a debate municipal “opiniões que ultrapassam as fronteiras da cidade” em vésperas de legislativas. “É uma vergonha pôr isto em questão só porque há eleições”, lamentou.
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O debate já ia longo, com intervenções e apresentação de propostas de todos os partidos com representação na Assembleia Municipal (com excepção do PS, que não expôs recomendações ou moções), quando Rui Moreira pediu a palavra e protagonizou o primeiro momento de agitação no hemiciclo portuense. Puxando dos galões de presidente eleito por um movimento independente, ainda que com o apoio do CDS, acusou as restantes forças políticas de demagogia por levaram a debate municipal “opiniões que ultrapassam as fronteiras da cidade” em vésperas de legislativas. “É uma vergonha pôr isto em questão só porque há eleições”, lamentou.
Caíam assim por terra as esperanças que a deputada Susana Constante Pereira havia deixado no ar na primeira intervenção da noite, falando em preocupações partilhadas entre todos, descontando “divergências” políticas ou ideológicas. Foi do seu grupo municipal, o Bloco de Esquerda, a iniciativa de pedir uma assembleia extraordinária para debater o tema da habitação. Algo que, segundo Susana Constante Pereira, aconteceu em finais de Julho.
“Dizer que é por causa das eleições é desvalorizar esta assembleia”, respondeu, sublinhando que as preocupações ali demonstradas estavam quase todas explanadas no manifesto do BE nas eleições autárquicas de 2017. “As propostas que fazemos são sérias e para fazerem frente ao problema da cidade. O direito à habitação não é assistencialismo”, declarou.
Apesar de a iniciativa ter partido do BE, outras forças políticas concordaram em classificar a habitação como um tema preocupante. Para a CDU é mesmo “o principal problema da cidade e da sua população”. E as responsabilidades não têm uma origem única. Elogiando a Lei de Bases da Habitação, recentemente aprovada, o deputado Rui Sá não deixou de recordar um passado recente, onde “a habitação foi uma das vítimas do fundamentalismo do défice”. Apesar de pertencer ao Estado a responsabilidade maior no que diz respeito à garantia do direito à habitação, considerou, não pode a autarquia demitir-se desse papel. E aí choveram críticas a Rui Moreira.
Para Rui Sá, a “opção ultraliberal do presidente da câmara, que considera o sacrossanto mercado como o alfa e o ómega das políticas habitacionais”, tem responsabilidades importantes no agravamento do problema. Por um lado, uma lista de espera para habitação social com mais de 1000 famílias, com um regulamento que “exclui pessoas que precisam” desse apoio, mostra que “é necessário construir mais habitação social no Porto”. Por outro, um boom turístico que expulsou portuenses da cidade e inflacionou os preços das rendas.
Realidade à qual viu a câmara responder apenas com “iniciativas pontuais”, como a suspensão do alojamento local (AL) em algumas zonas da cidade e os projectos de Monte Pedral e Monte da Bela, para habitação com rendas acessíveis. Insuficiente, considera, deixando a Rui Moreira o pedido de que não perca mais tempo e faça o “trabalho preparatório” para que, mal seja possível, possa aproveitar os benefícios da nova lei.
Da bancada socialista puxaram-se, exactamente, os galões da Lei de Bases da Habitação, que permitiu uma “densificação legislativa” do artigo 65 da Constituição: o do direito à habitação. Pedro Braga de Carvalho classificou o acesso à habitação como “uma das grandes falhas do Estado Social” e embora tenha deixado nesse o ónus da pasta falou na “intervenção autárquica” como fundamental para a garantia de uma política habitacional “eficiente”.
O deputado socialista elogiou genericamente as propostas e moções apresentadas, como forma de dar corpo à lei aprovada no Parlamento, e defende a criação de “políticas multi-sectoriais” e não isoladas: “A promoção de políticas públicas de habitação não pode colocar a habitação social em confronto com a habitação com rendas acessíveis.” Um recado que cairia que nem uma luva à mensagem do grupo Porto, O Nosso Movimento, de Rui Moreira. Mas isso só se perceberia mais tarde (já lá vamos).
Bebiana Cunha, do PAN, assumiu o microfone para fazer uma intervenção curta e objectiva. “Trazemos uma proposta de um plano estratégico para a habitação”, anunciou, argumentando que “urgências de quem precisa de uma habitação digna” não andam lado a lado com “os solavancos” com que a matéria tem sido tratada. E o problema, disse, é vasto: vai dos sem-abrigo à classe média, passando pelos universitários. Na busca de soluções, deixou também a proposta de um diálogo com o sector cooperativo da habitação. Com a nova lei, disse, estas estruturas podem ter um papel importante, desde que lhes sejam cedidos terrenos.
Da bancada social-democrata saiu uma recomendação chamada “habitação: um direito por concretizar”, repartida em cinco propostas — razão de divisão entre os restantes partidos, que concordavam com umas ideias e recusavam outras. O reforço da habitação social, da habitação para a classe média, a criação de residências universitárias e o fomento de políticas públicas amigas das famílias foram relativamente pacíficas. Já a ideia de alargar a ARU a toda a cidade, assim como a isenção de IMI para jovens e o aumento para 50% a redução da taxa do IMI para habitação própria suscitaram mais dúvidas. A proposta acabou, aliás, recusada com abstenção do PAN e votos contra dos restantes.
“Paz, pão, saúde, habitação... e o dinheiro?”
A deputada Mariana Macedo defendeu um combate à gentrificação e pediu programas de habitação pública capazes de se pagarem a si mesmos, numa “combinação” entre a habitação social, para a classe média e estudantes. Numa palavra para o Governo, pediu ainda um reforço do programa Porta 65, de apoio a jovens. E à autarquia solicitou celeridade na conclusão do regulamento para o AL, defendendo a criação de quotas.
As recomendações multiplicaram-se, muitas vezes com algumas semelhanças entre elas. O BE foi quem mais ideias apresentou com duas recomendações e uma moção. Entre outras medidas, propôs o alargamento da suspensão do AL, a criação de um observatório municipal sobre as alterações na propriedade do solo urbano, um agravamento do IMI de imóveis devolutos em zonas onde haja forte pressão turística, o reforço da habitação social, a reinstituição do papel do provedor do inquilino, a suspensão da venda de terrenos e prédios municipais ou a criação de uma Bolsa Municipal de Habitação.
Na moção dirigida ao governo de António Costa, pediu ao socialista que aceite disponibilizar “imobiliário devoluto ou subutilizado” e ainda “terrenos do domínio do Estado” para que neles se faça “reabilitação e conversão em oferta habitacional a custos acessíveis e de renda técnica”. E também uma “alteração no Regime do Arrendamento Urbano” e a “cessação das facilidades” dadas aos vistos Gold. Os três documentos foram chumbados, com votos contra dos grupos do PSD e de Rui Moreira.
Já a CDU viu a sua primeira recomendação, de elaboração de uma carta municipal de habitação, reprovada, mas conseguiu fazer passar a proposta de intervenção nos bairros sociais. O PAN teve luz verde nas suas duas propostas.
A única proposta consensual (declarações de voto à parte) acabou por ser a do grupo de Rui Moreira, num pedido ao Governo para que “dote a nova geração de políticas de habitação dos instrumentos legais e financeiros que lhe permitam alavancar de forma efectiva os investimentos que os municípios estejam disponíveis para fazer em projectos de renda acessível, em percentagem que não deverá ser inferior aos 50%”.
Ainda antes do presidente da câmara falar, tinha sido Raúl Camelo Almeida a fazer a defesa do ponto de vista do movimento. Recordando que o Porto tem 13% do edificado destinado à habitação social (quando a média do país é de 2%) e que nos últimos quatro anos investiu “85 milhões de euros” na reabilitação de bairros, recusou veementemente a ideia de ser precisa mais habitação social no Porto. E centrou a aposta na classe média.
Mais tarde, no seu já habitual tom provocador, André Noronha, do mesmo movimento, pediu a palavra para se dirigir ao Bloco de Esquerda, que acusou de levar à AM “uma mão cheia de nada”. “Eles falam, falam e não dizem nada. Neste caso, com respeito à identidade de género, são elas quem falam, falam e não dizem nada”, pronunciou perante um burburinho da sala.
Rui Moreira ainda deixou uma proposta em jeito de provocação — “Se acham que é preciso mais habitação social, construam habitação social e a gente arranja terrenos, nem que tenhamos de os comprar”. Mas defendeu também que a “principal carência do Porto é hoje para as famílias mais jovens, para a classe média”.
Apontando o dedo ao Estado, não poupou nas palavras: “Nos últimos anos, dinheiro não vi. Produção legislativa, sim. É a paz, o pão, educação, saúde, habitação... e o dinheiro?”, perguntou.