Crónica de uma crise anunciada
Portugal está hoje francamente melhor equipado para fazer face a um contexto recessivo do que há quatro anos atrás.
Nos tempos recentes tem-se lido alguns cabeçalhos de jornais num tom bastante alarmista: “Já há sinais de crise em Portugal”; “A crise está à porta”; “Portugal não tem condições para enfrentar a crise que aí vem”. Estes cabeçalhos ecoam na opinião de alguns jornalistas da área e que mantêm, em vários fóruns, um tom de preocupação e de desgraça anunciada. Com a importância que a gestão de expetativas tem na evolução do contexto económico, estes títulos e comentários parecem-me, no mínimo, irresponsáveis.
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Nos tempos recentes tem-se lido alguns cabeçalhos de jornais num tom bastante alarmista: “Já há sinais de crise em Portugal”; “A crise está à porta”; “Portugal não tem condições para enfrentar a crise que aí vem”. Estes cabeçalhos ecoam na opinião de alguns jornalistas da área e que mantêm, em vários fóruns, um tom de preocupação e de desgraça anunciada. Com a importância que a gestão de expetativas tem na evolução do contexto económico, estes títulos e comentários parecem-me, no mínimo, irresponsáveis.
Vejamos. É um facto que a realidade económica e de política internacional vive vários problemas e goza de uma instabilidade crescente: a situação económica da Alemanha, o “Brexit”, as relações comerciais entre os EUA e a China, as lideranças preocupantes do Brasil e dos EUA, etc. Evidentemente, se a conjuntura internacional for negativa e a Alemanha, a Europa ou uma parte grande do mundo não conseguir combater os sinais recessivos, Portugal vai sofrer. É o que faz ser uma pequena economia aberta, não há volta a dar. Mas Portugal não está em crise! Está longe de estar em crise! Mais, Portugal está hoje francamente melhor equipado para fazer face a um contexto recessivo do que há quatro anos atrás.
Temos previsões de um deficit orçamental próximo de zero (2018 fechou com -0,5, um valor absolutamente histórico), o que significa que estamos em condições de fazer política contracíclica, ou seja, estamos a “poupar” quando a economia está bem, para podermos gastar quando a economia estiver menos bem. Esta lógica keynesiana de olhar para a política orçamental permite-nos ter alguma tranquilidade quando a próxima crise chegar. É certo que temos, ainda, uma dívida pública muito elevada, mas mesmo assim o seu peso no PIB tem diminuído todos os anos, e fechou em 2018 em 121,5% do PIB, menos 3,3 pontos percentuais do que em 2017. Mais, a consolidação das contas públicas e a gestão inteligente da dívida tem-nos permitido condições de financiamento favoráveis e, consequentemente, um serviço de dívida menos custoso.
Os arautos da crise anunciada referem que as grandes fragilidades da nossa economia e a falta de preparação para a recessão que aí vem resultam, em grande medida, da ausência das ditas reformas estruturais. E que este governo, tal como muitos antes deste, não fizeram “as” reformas necessárias.
Mais uma vez, permitam-me que discorde. As reformas estruturais não se fecham, têm que ser feitas em permanência. Reforma-se um serviço público, ou o mercado de trabalho e logo a seguir há outro serviço, outro setor a necessitar de ser reformado. Há necessidades permanentes de reformar áreas e aspetos da economia e da sociedade. As reformas estruturais fazem-se em contínuo (embora com objetivos de médio e longo prazo) para permitir que a economia, os serviços públicos, as infraestruturas, o mercado de trabalho, etc., evoluam de acordo com as alterações estruturais da realidade que nos rodeia e com que nos relacionamos. As tecnologias de informação, as inovações tecnológicas crescentes, as relações laborais dinâmicas, as redes sociais, o envelhecimento da população, o deserto demográfico, as migrações, etc., obrigam a que se esteja sistematicamente a olhar para a nossa estrutura de funcionamento e se perceba como é que esta se tem que adaptar para que a sociedade, a economia e o país sejam sustentáveis.
Isto tem, obviamente, sido feito no nosso país, por este e por outros governos. A legislação laboral tem sido revista (nem sempre da melhor forma…), o Serviço Nacional de Saúde, que veio permitir um acesso generalizado a cuidados de saúde, tem vindo a ser reformado (umas vezes melhor, outras pior, e agora com algumas necessidades urgentes), o sistema de segurança social tem sido revisto e tem agora uma estrutura diferente e mais sólida, o nosso sistema educativo não tem nada a ver com o que era há 20 ou 30 (ou mesmo dez) anos atrás, a vertente exportadora da economia (e em alguns ramos tipicamente tradicionais) tem crescido a olhos vistos, o Simplex, o governo digital, a melhoria de alguns serviços públicos, etc. Não têm faltado reformas estruturais! Podemos discordar de algumas, mas globalmente têm contribuído para uma economia mais sólida, mais moderna, mais preparada. Há que continuar a fazê-las.
Enfim, a crise virá. Os ciclos económicos são assim, como as ondas, vêm e vão. Mas Portugal está bem. Podia estar melhor, menos desigual, mais justo, mais competitivo. Há muito caminho a fazer, mas está bem! Está definitivamente melhor equipado para reagir ao próximo ciclo recessivo. Mais ainda se tivermos dirigentes e políticos que percebam que em economia, mais do que impedir o inevitável, o importante é saber gerir com inteligência, sensibilidade e visão de futuro aquilo que inevitavelmente há-de chegar!
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico