Aos 40 anos, Mayra Santos voltou a nadar e fez história. Agora, sonha ser campeã do mundo
Foi a primeira mulher a nadar os 42 km entre Porto Santo e Madeira, depois de passar grande parte da vida afastada da natação. Luso-brasileira garante que travessia foi apenas o início de um caminho que poderá passar pelos Masters.
A marca 12h07m20s ficará gravada na memória de Mayra Santos, a primeira mulher a fazer a travessia a nado entre o Porto Santo e a Madeira. No dia 4 de Setembro, a atleta do Clube Naval do Funchal fez os 42 quilómetros do percurso. “Nunca ninguém me disse directamente, mas, na realidade, muitos não acreditavam que conseguiria, porque é uma travessia muito dura. E nem é pelo facto de ser mulher, nunca senti qualquer tipo de discriminação a esse respeito. Era mais por ser relativamente inexperiente e nadar há pouco tempo”, afirma ao PÚBLICO.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A marca 12h07m20s ficará gravada na memória de Mayra Santos, a primeira mulher a fazer a travessia a nado entre o Porto Santo e a Madeira. No dia 4 de Setembro, a atleta do Clube Naval do Funchal fez os 42 quilómetros do percurso. “Nunca ninguém me disse directamente, mas, na realidade, muitos não acreditavam que conseguiria, porque é uma travessia muito dura. E nem é pelo facto de ser mulher, nunca senti qualquer tipo de discriminação a esse respeito. Era mais por ser relativamente inexperiente e nadar há pouco tempo”, afirma ao PÚBLICO.
A quarta-feira seleccionada não foi escolhida ao acaso. Bem pelo contrário: os mapas com as previsões meteorológicas e ondulações foram atentamente analisados por Paulo Falé, director de prova. O longo percurso mereceu semelhante escrutínio. “Existe uma zona mais difícil, com um remoinho perigoso. As pessoas diziam-me para ter cuidado, perguntavam-me se já tinha treinado lá. Fiz alguns testes psicológicos [para me preparar para isso]. Mas, na hora de fazer a travessia, estava com tanto optimismo, com tanta confiança de que iria conseguir os objectivos a que me propus que nada me faria parar antes de chegar à Madeira”, conta a nadadora.
O estudo das condições meteorológicas compensou. Nas 12 horas de prova, as ondas estiveram quase sempre a favor de Mayra. Queria sair do Porto Santo de madrugada, mas foi barrada pela lei, que não permite natação nocturna em águas abertas. Apenas conseguiria sair ao nascer do sol, por volta das 7h30. Conseguiu “comprar” 20 minutos, colocando pequenas luzes reflectoras na touca. “Queria sair o mais cedo possível para chegar à Madeira com luz do dia. Não sabia quanto ia demorar”, justifica.
As largas horas dentro de água obrigaram a um acompanhamento próximo: Mayra foi seguida por uma embarcação em permanência. Uma médica, o director de prova e o marido eram alguns dos elementos que garantiriam apoio à nadadora, caso fosse necessário algum tipo de ajuda. Nos quilómetros iniciais, o “abastecimento” acontecia a cada 40 minutos. Banana era o único alimento sólido que ingeria. Para além desse fruto, consumia géis de rápida absorção, bebida energética e água. “Nos últimos quilómetros fazíamos as paragens de meia em meia hora, era a fase onde precisava de mais energias. As contas foram bem feitas: nunca me senti com falta de energia, senti-me sempre bem”, atesta.
Já depois de ter cruzado o ponto intermédio da travessia, os sonhos da nadadora tornaram-se realidade. “Tive dois encontros com golfinhos. No primeiro só vi um e consegui ouvir o barulho que ele fazia. Estava mesmo por baixo de mim e é como se o ouvisse dizer: ‘Mayra, está a ir bem. Continua assim e chegarás à Madeira’. No segundo, apareceram imensos golfinhos, a saltar ao nosso lado. Estavam a atravessar uma rota, não nos seguiram. Muito pelo contrário, nós é que fomos atrás deles até o barco nos chamar à atenção”, relata, sem esconder as gargalhadas e a magia do momento, que considera o favorito das 12 horas de travessia.
Reencontrar a natação
Apesar da preparação intensiva para a “maratona aquática”, a nadadora de 40 anos esteve afastada das piscinas grande parte da sua vida. Mayra nasceu em Juiz de Fora, no interior do estado de Minas Gerais. Cresceu numa cidade sem mar, mas sempre teve um gosto especial pela água. Praticou vários desportos durante a infância, mas foi a natação que a agarrou. “Comecei a nadar com nove anos de idade, mas tive de parar pouco tempo depois. Aos 11 anos mudámos de casa e não tínhamos possibilidades financeiras de ir para os treinos e pagar a mensalidade. Interrompi nessa altura a natação.”
Esteve quase três décadas afastada do desporto que ama. Em 2004 mudou-se do Brasil para a ilha da Madeira, conheceu o marido e casou-se na marina do Funchal. “Para mim, casamento tinha de ser no mar”, explica a decisão, entre risos. Trabalhava numa empresa de telecomunicações, sendo que o seu local de trabalho fazia paredes meias com as piscinas do Clube Naval do Funchal. Voltou à natação em 2015, como forma de fazer exercício físico. Começou a participar em provas, por diversão, mas o bichinho de criança picou novamente, desta vez com ainda mais força.
“Depois de uma prova com 1500 metros, disse ao meu treinador que queria fazer a travessia entre a Madeira e as Desertas de 27 quilómetros. Foi meio em tom de brincadeira, mas estava a falar bem a sério”, garante Mayra. Porquê a escolha deste percurso? “O principal objectivo era conseguir nadar com os golfinhos. Vi imagens de uma mulher a fazê-lo e teve a oportunidade de nadar com eles. Fiquei encantada.”
Treinos bidiários e Masters no horizonte
Essa travessia acabaria por nunca se realizar, mas Mayra traçou como objectivo nadar a distância entre o Porto Santo e a Madeira, prova ainda mais árdua. Começou a treinar duas vezes por dia: da parte da manhã fazia piscina; de tarde águas abertas. Todos os fim-de-semana são reservados ao mar. “Como agora sou consultora imobiliária, tenho maior flexibilidade de horários para fazer este regime de treino. O objectivo é completar 40 quilómetros semanais”, revela. Chegou a fazer 19 quilómetros numa piscina com 25 metros, como forma de fortalecer ao máximo a vertente psicológica para a prova.
O corpo precisa de descanso depois dos 42 quilómetros, mas apenas uns dias sem nadar já a afectaram, admite. “Sinto-me como um peixe fora de água, quero voltar aos treinos.” Não voltará a fazer a mesma travessia, mas já recebeu convites internacionais para outras semelhantes. Mas o grande objectivo passa pela selecção nacional. “O meu sonho é, em 2021, ser campeã do mundo com Portugal nos Masters”, afirma.
Para os veteranos, as provas de natação são bastante mais curtas do que as distâncias que Mayra está acostumada a nadar. “Tenho de adaptar os treinos, mudá-los de resistência para velocidade”, explica. Tentou a sua sorte no Campeonato do Mundo que se realizou em Gwangju, na Coreia do Sul. Arrecadou um 8.º lugar na categoria 40-44 anos, mas acredita ter todas condições para voltar a casa com a medalha de ouro, em 2021.
Tal como os 42 quilómetros entre Porto Santo e Madeira, Mayra tem este objectivo bem definido. E a nadadora promete que a nova aventura terá, novamente, um desfecho feliz.