O ambiente está na moda, mas o “capitalismo não é verde”
O PCP luta para que as bandeiras da defesa do ambiente não passem para outros partidos. A festa do Avante! tornou-se mais ecológica e houve vários debates só sobre o tema.
Vasco ainda não chega a um metro e meio de altura, mas no alto dos seus nove anos tem a lição cívica e ambiental bem estudada. De casa, trouxe na mochila a sua caneca de esmalte, porque o pai lhe disse que este ano a Festa do Avante! era ecológica e não havia copos de plástico. Foi por isso que ficou “incomodado” quando foi vendo pelo recinto um ou outro copo de imperial descartado. Decidido, vai até ao microfone, baixado à sua altura, e lança a pergunta: “Disseram que a festa era mais ecológica, mas sabem que estão a dar copos que vão parar ao lixo?”.
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Vasco ainda não chega a um metro e meio de altura, mas no alto dos seus nove anos tem a lição cívica e ambiental bem estudada. De casa, trouxe na mochila a sua caneca de esmalte, porque o pai lhe disse que este ano a Festa do Avante! era ecológica e não havia copos de plástico. Foi por isso que ficou “incomodado” quando foi vendo pelo recinto um ou outro copo de imperial descartado. Decidido, vai até ao microfone, baixado à sua altura, e lança a pergunta: “Disseram que a festa era mais ecológica, mas sabem que estão a dar copos que vão parar ao lixo?”.
Do lado de lá do microfone estava um painel a debater “equilíbrio ecológico, natureza e protecção” que juntava Miguel Tiago, candidato do partido por Viseu, Vladimir Vale, da comissão política do PCP, e Heloísa Apolónia, deputada do partido ecologista Os Verdes. Miguel Tiago explicou a Vasco que o PCP decidiu “dar a opção” a quem vai à Quinta da Atalaia de ter um copo reutilizável. “Mas não obrigamos ninguém a fazer aquilo que achamos que está certo”, complementou.
Esta frase do comunista vai ao encontro do que foi sendo defendido ao longo das mais de duas horas de debate no sábado de manhã: a responsabilidade individual não é o caminho para fazer o combate pelo ambiente. Ajuda, mas está longe de ser a solução para o problema. Essa passa por uma mudança de sistema porque “o capitalismo não é verde”.
O slogan “o capitalismo não é verde” está inscrito à entrada da festa, pintado num mural. O graffiti apresenta um mundo de onde sai uma torneira com o lema. A mesma frase aparece mais tarde como título de um dos quatro debates sobre ambiente previstos na festa este ano - ao contrário do que aconteceu nos últimos dois, quando houve apenas um. No sábado à tarde, juntaram-se umas dezenas de militantes para ouvirem representantes de vários partidos comunistas do mundo inteiro, incluindo dos Estados Unidos da América, debaterem o posicionamento dos comunistas sobre a luta pelo ambiente: “O problema não é de cada um individualmente, mas do modo de exploração capitalista”, dizia o norte-americano. Ou, como diria Heloísa Apolónia, “há aqueles” que querem taxar o “cidadão-poluidor, mas pagar para poluir não é um princípio ambiental correcto”.
A onda verde começou aqui
Abalroado por uma onda verde nas últimas eleições europeias, que levou a uma maior representação de partidos ecologistas e ambientalistas no Parlamento Europeu – e com o crescimento do PAN em Portugal, que puxou a si essa causa –, o PCP sentiu-se injustiçado pelos anos de trabalho sobre o tema: “Se consultar a história parlamentar é, de facto, uma injustiça recusar o papel que o PCP teve na defesa do ambiente em relação à reciclagem, aos plásticos. Propostas com mais de 20 anos e na altura ninguém ligava importância (…) Estranhamos que para alguns, para quem a questão do ambiente era zero em termos programáticos, apareçam agora como campeões do ambiente”, disse Jerónimo de Sousa sobre o assunto.
“Alguns” partidos surge como pronome indefinido em vez de um nome que não se pode pronunciar: PAN. “Não acordámos agora para as questões ambientais, apesar de quererem passar a ideia que há novos protagonistas que se preocupam agora com o ambiente. Nós temos património”, lança Vladimir Vale. Miguel Tiago, por seu turno, ensaia a teoria de que há “partidos típicos da burguesia que, ao aceitarem as linhas do grande capital, iludem as massas e branqueiam o capitalismo”. Para o PCP não é apenas uma “luta pela natureza”, mas também uma “luta pela direcção da luta” e, por isso, cabe ao partido denunciar os falsos defensores do ambiente.
Lá fora, a festa vai aquecendo e é possível ver que há quem passe com garrafas e copos reutilizáveis, vendidos a cinco e seis euros na festa, para encherem de água nos bebedouros do recinto. A água por ali, naquele recinto propriedade dos comunistas, é gratuita, mas fora das quatro paredes é também um sinal de que o capitalismo quer transformar o “ambientalismo num negócio”, com as grandes empresas a criarem “rótulos de sustentabilidade”. É nesse ponto que o PCP quer agir: “Tentam demonstrar que o capitalismo é tão natural como a nossa sede, tentam transformar a natureza num mercado”, como já fizeram “com o mercado do carbono”, diz Vladimir.
Podendo parecer, nestes debates, os comunistas não defendem que se destrua o capitalismo de uma assentada, mas defendem que só uma sociedade que caminhe para o socialismo se pode preocupar com a natureza em primeiro lugar, à frente do lucro. “Temos de apostar no futuro, na tecnologia e energias limpas”.
“Há um excesso de produção”, mais do que de consumo, dizem, porque o capitalismo “sustenta-se na lógica do lucro imediato” e há muito desperdício: “O capitalismo não é verde é uma expressão que temos de passar. Se não promovermos uma alteração do sistema capitalista, a delapidação vai continuar”, defende Heloísa Apolónia. Se esta é a posição macro da CDU, para se agarrarem à terra, há quem lhes pergunte por outras políticas. Aí entra a responsável d’ Os Verdes em acção. “Mais do que parangonas que têm muito eco na comunicação social” e “medidas simbólicas como a declaração de emergência climática, nós temos trabalhado como formiguinhas.” E dá exemplos de várias medidas, como a lei da água, a lei de bases do ambiente ou a promoção do uso dos transportes públicos através da redução dos preços do passe social - que esse partido [PAN] “não votou favoravelmente”. “Acho incongruente, fico de boca aberta”, disse.
O PCP recusa entrar em “modas”, prefere achar que se trata de uma “consciencialização”, mas os comunistas lá vão agradecendo a companhia na luta, desde que ela seja pelo lado certo: o de alertar para a “emergência ambiental” e não “climática”, que clima é só uma parte do ambiente. “Temos uma intervenção que não é de hoje, mas quisemos dar-lhe na festa essa força e essa visibilidade”, conta ao PÚBLICO Alexandre Araújo, da direcção da festa.
Na loja do partido, as canecas de esmalte e as garrafas estavam a ter mais saída do que o habitual, mas só no final da festa o PCP vai contabilizar o sucesso da iniciativa de promover mais copos reutilizáveis, pratos e talheres de papel para reduzir ao mínimo as toneladas de plástico que iam para reciclagem todos os anos. Com Sofia Correia Baptista