Charles Leclerc, o piloto que corre em nome do padrinho

Nascido no Mónaco, há 21 anos, o afilhado do falecido Jules Bianchi está a comprovar que a Ferrari acertou em cheio ao apostar na juventude. Duas vitórias consecutivas renderam-lhe o quarto lugar no Mundial de F1

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A determinação e força mental de Charles Leclerc revelaram-se plenamente no final de Junho de 2017. Competia na Fórmula 2. No Grande Prémio (GP) do Azerbaijão, o jovem, então com 19 anos, tinha perdido o pai há três dias, mas insistiu em pilotar no circuito urbano de Bacu, onde conquistou a pole position e venceu a sua primeira corrida da temporada. No pódio, exibiu um sorriso acanhado e triste. Neste domingo, no asfalto de Monza, festejou sem reservas aquele que será o seu maior sucesso até agora na Fórmula 1 (F1). Levou a Ferrari a um triunfo no GP Itália, terminando com um jejum que durava desde 2010.

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A determinação e força mental de Charles Leclerc revelaram-se plenamente no final de Junho de 2017. Competia na Fórmula 2. No Grande Prémio (GP) do Azerbaijão, o jovem, então com 19 anos, tinha perdido o pai há três dias, mas insistiu em pilotar no circuito urbano de Bacu, onde conquistou a pole position e venceu a sua primeira corrida da temporada. No pódio, exibiu um sorriso acanhado e triste. Neste domingo, no asfalto de Monza, festejou sem reservas aquele que será o seu maior sucesso até agora na Fórmula 1 (F1). Levou a Ferrari a um triunfo no GP Itália, terminando com um jejum que durava desde 2010.

Nascido no Mónaco, a 16 de Outubro de 1997, Leclerc tem a F1 no sangue. “Lembro-me de ver o GP monegasco com quatro anos de idade, no apartamento do meu melhor amigo, na saída da primeira curva”, recordou em 2018, no seu ano de estreia na categoria rainha do automobilismo de velocidade. E a sua preferência recaiu sempre nos míticos monolugares vermelhos do cavalo negro. “Estava sempre à procura dos Ferrari, para ser sincero. É um sonho de infância”, recorda.

A tragédia

O pai, Hervé Leclerc (1963-2017), foi piloto de Fórmula 3 nos anos de 1990, mas o maior exemplo e fonte de inspiração viria do padrinho, o também piloto de F1 Jules Bianchi, que morreu num aparatoso acidente durante o GP do Japão de 2014. Considerado uma das grandes esperanças da modalidade, Bianchi tornou-se piloto de testes da Ferrari em 2011, com 22 anos.

Dois anos depois, o jovem francês, nascido em Nice, foi contratado pela modesta Marussia para a época de 2013 na F1. Conquistaria os primeiros pontos nas ruas de Monte Carlo, onde terminou na nona posição, com Leclerc a assistir. Especulava-se sobre uma eventual promoção para a Ferrari quando um despiste no Japão o levou a embater num tractor que estava a remover um outro carro. O acidente acabaria por lhe ser fatal.

“Lembro-me do momento do acidente de Jules. E pude ver nos olhos do meu pai que alguma coisa estava errada”, lembrou Leclerc, que completaria 17 anos poucos dias depois. A tragédia não demorou muito a voltar a bater-lhe à porta com a morte de Hervé. “Após a morte de Jules e do meu pai, não há uma corrida que não pense neles. Fizeram de mim o homem que sou hoje e também o piloto que sou agora”, confessou.

O sonho

Transformou a dor em força, absolutamente determinado em prosseguir o legado de Bianchi. “O Jules merecia aquele lugar na Ferrari. É por isso que quero mesmo conseguir isso. Para lhe agradecer por tudo o que fez por mim.” Assim foi. Os seus brilhantes desempenhos na temporada de estreia, em 2018, ao serviço da modesta Alfa Romeo Sauber — onde conquistou os primeiros pontos da sua carreira ao terminar em sexto no GP do Azerbeijão —, levaram a Ferrari a fazer uma aposta de risco. Ou nem tanto, a julgar pelas referências que trouxe consigo.

“Charles Leclerc foi um dos melhores talentos com quem já trabalhei e, provavelmente, um dos melhores novatos das últimas duas décadas”, garantia no ano passado Beat Zehnder, director desportivo da Sauber, uma equipa que já “criou” enormes estrelas da modalidade como Michael Schumacher, Sebastian Vettel ou Kimi Raikkonen, que foi substituído pelo monegasco na marca italiana.

Após um começo mais ou menos discreto nas seis primeiras corridas, com quatro quintos lugares, um terceiro (no GP Bahrein, onde selou o primeiro pódio) e uma desilusão no “seu” GP do Mónaco, que não terminou, Leclerc começou a surpreender os adversários. Em particular, o tetracampeão Sebastian Vettel, seu companheiro de equipa.

A glória

Nas quatro corridas seguintes esteve sempre no pódio, com três terceiros lugares e um segundo (GP da Áustria), antes de mais uma desistência na prova da Alemanha. Voltou com um quarto lugar, a que se seguiram duas vitórias consecutivas nas últimas corridas. Em Itália, ontem, ultrapassou Vettel na classificação geral, subindo ao quarto lugar do Mundial, a curta distância do holandês Max Verstappen da Red Bull.

“Vencer aqui [Monza] é um sonho”, confessou o monegasco no final, perante o eufórico público da casa, que não festejava um triunfo da Ferrari desde o primeiro lugar alcançado por Fernando Alonso, em 2010. “Uma corrida muito difícil”, segundo Leclerc, que partiu da pole position, conseguindo suportar os ataques da Mercedes, primeiro do líder do Mundial Lewis Hamilton (terceiro) e depois de Valtteri Bottas (segundo).

“O Charles deu um grande passo depois do Verão e só cometeu alguns erros durante uma corrida. A equipa também merece elogios”, congratulou-se Mattia Binotto, o novo director da Ferrari, que deixou mais um elogio à sua mais jovem “pérola”: “Acho que a pressão que Charles coloca sobre si mesmo só lhe dá um impulso”.

Há um ano, na Sauber, depois de uma boa classificação, deixou escapar pelo intercomunicador um sentido “fuck!”, retractando-se logo de seguida: “Desculpem, desculpem o palavrão.” Desta vez, que se saiba, foi mais comedido com as palavras. Pelo menos para fora.