O Plano de Vítor Adão é um jardim secreto na Graça
Por enquanto, propõe um menu de degustação, ao ar livre, numa mesa partilhada, mas em breve o Plano irá abrir em duas salas interiores nos Dona Apartments, em Lisboa. Para descobrir a cozinha de Vítor Adão.
O pequeno jardim está totalmente escondido dos olhares de quem passa pela rua. Espreitamos num beco lateral e perguntamos. Confirmam-nos que é aqui e quando entramos – é difícil evitar os clichés num caso destes – parece que estamos num oásis, os muros caiados de branco, o jardim com bancos de pedra, o tanque com água fresca, a mesa posta.
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O pequeno jardim está totalmente escondido dos olhares de quem passa pela rua. Espreitamos num beco lateral e perguntamos. Confirmam-nos que é aqui e quando entramos – é difícil evitar os clichés num caso destes – parece que estamos num oásis, os muros caiados de branco, o jardim com bancos de pedra, o tanque com água fresca, a mesa posta.
Para já, o Plano, de Vítor Adão, é isto. Uma mesa só, que pode ter oito lugares, como na noite em que aqui jantamos, ou 14, no máximo, e na qual se misturam pessoas que vêm de sítios diferentes, uns estrangeiros, outros portugueses, para conversas que por vezes tomam caminhos surpreendentes e podem até levar a trocas de contactos no final.
Vítor Adão é o anfitrião que, com a sua equipa, ajuda a que tudo se passe com a maior naturalidade. A comida importa, claro, e cada prato será explicado, mas sem que isso interfira com a atmosfera que entretanto se criou – e que, já terminada a refeição, desperta em alguns o desejo de ficar noite dentro a conversar naquele jardim escondido do bairro da Graça, em Lisboa.
O menu é de degustação, são vários os pratos que, ao longo da noite, vão surgindo na mesa, mas uma das coisas que nos fica na memória é a mais simples que se possa imaginar: uma cebola, doce, deliciosa. “É cebola nova de Chaves, da minha quinta”, apresenta-a Vítor Adão. “Tem só azeite, sal e vinagre. Está há muito tempo na minha família, todos os anos pegamos nas sementes, guardamos e voltamos a pô-las na terra. Ela é doce no primeiro mês e meio, depois vai ficando mais ácida. Os melhores meses são Julho e Agosto, em Setembro é para esquecer, já está muito ácida.”
A cebola aparece na mesa acompanhada por azeitonas de Suçães, sal de Rio Maior, paio de porco preto, queijo de ovelha de Estremoz e pão de centeio. “Nós, em Trás-os-Montes, comemos muito pão de centeio”, diz. E ainda um pastelão, muito parecido com uma tortilha, com batata, presunto de Chaves, salpicão e cebola.
Por esta descrição, podemos pensar que o Plano – que, para já, arranca apenas neste espaço exterior, mas em breve irá abrir, com duas salas e um menu à carta, no interior do Dona Apartaments, alojamento local que pertence aos sócios de Vítor neste projecto – é um restaurante de comida tradicional. Bem, é e não é. A tradição está toda lá, começando pela profunda ligação de Vítor Adão a Chaves, onde vai todos os meses, e aos produtos que lá produz (umas extraordinárias batatas, por exemplo, ou o porco, do qual está a criar três raças diferentes, uma delas o mangalitsa, que, acredita, sendo uma raça vinda da Áustria, se poderá dar bem com o clima mais frio de Trás-os-Montes).
Mas, havendo esse lado tradicional muito forte, há também uma cozinha de autor e contemporânea, resultado do percurso deste chef, de 29 anos, que, tendo sido pastor quando tinha 14, 15 anos, formou-se na Escola de Hotelaria de Mirandela, passou pelo DOC e pelo DOP, com Rui Paula, estagiou no Ocean e no Vila Joya, passou pelo Park Lane, em Londres, trabalhou com Ljubomir Stanisic no Six Senses Douro Valley e depois no 100 Maneiras, foi consultor da Quinta do Arneiro, e, em Janeiro desde ano abriu, com Lucas Azevedo, um pop up em Lisboa, o Izakaya Tokkuri.
Central no recém-aberto Plano é o ofyr, um grelhador com o qual Vítor Adão começou a trabalhar ao lado de Ljubomir no Sublime Comporta, e que, tendo o fogo no meio e a chapa em redor permite um muito maior controlo sobre o lume e a temperatura. “Serve de grelha, de forno e ainda para manter os pratos quentes”, explica, enquanto vai virando os espetos sobre as brasas. “Sempre que tivermos bom tempo vamos cozinhar aqui”, garante. Prefere o risco que esta forma de cozinhar representa do que o ambiente ultra-controlado de certas cozinhas, em que o vácuo e os minutos rigorosamente contados permitem garantir que tudo sai sempre igual.
A refeição começa, então, com uma cavala numa craker de batata com pele de frango e pimento lacto-fermentado; uma cabeça de xara (“a nossa filosofia é utilizar o animal desde a ponta do rabo até à ponta da cabeça”) numa tosta de pão de centeio, com pickle de beterraba, kale e um vinagrete de tangerina. Há um prato de carapau, berbigão e nabo, um prego de vitela biológica (inspirado no katsu sando japonês, com pão da padaria Gleba a partir de receita de Vítor Adão), uma extraordinária corvina com cenouras e uma esmagada das tais magníficas batatas de Chaves; uma presa de porco preto com tomates de Verão e beldroegas. E, como sobremesa, melancia grelhada com aipo e coentros e uma aletria cremosa, com trevos e manjericão.
A refeição, com um custo de 70 euros, inclui ainda um cocktail inicial e um pairing com vinhos ou com sumos naturais e fermentados.
Chaves, Japão, fogo e o mundo, num jardim escondido na Graça. É esse o Plano.