Prefeito do Rio de Janeiro queria apreender BD com beijo gay. Justiça impede
Folha de S. Paulo publicou a ilustração do beijo gay na primeira página. Youtuber brasileiro comprou 14 mil exemplares de livros sobre questões LGBT para serem distribuídos gratuitamente no evento.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro publicou na sexta-feira uma ordem judicial provisória que impede a prefeitura da cidade de apreender obras na Bienal do Livro e de cassar a licença de funcionamento do festival. Segundo a imprensa brasileira, a decisão refere que o município não pode retirar os livros de circulação em “função do seu conteúdo”, nomeadamente os de cariz homossexual.
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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro publicou na sexta-feira uma ordem judicial provisória que impede a prefeitura da cidade de apreender obras na Bienal do Livro e de cassar a licença de funcionamento do festival. Segundo a imprensa brasileira, a decisão refere que o município não pode retirar os livros de circulação em “função do seu conteúdo”, nomeadamente os de cariz homossexual.
“Desta forma, concede-se a medida provisória para compelir as autoridades a absterem-se de procurar e apreender obras em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam conteúdo homossexual e transexual. Concede-se a ordem judicial, igualmente, para compelir as autoridades a absterem-se de cassar a licença para a bienal”, refere a decisão, citada pelo jornal O Globo.
A ordem judicial provisória surgiu após fiscais da prefeitura do Rio de Janeiro se terem deslocado, na manhã de sexta-feira, ao local onde decorre a Bienal do Livro, organizada na cidade, para recolher uma edição de banda desenhada chamada Vingadores — A Cruzada das Crianças, que retrata um beijo entre dois homens. Escrito pelo norte-americano Allan Heinberg em 2010, a obra é ilustrada pelo britânico Jim Cheung. Segundo a revista brasileira Galileu, o livro chegou ao Brasil em 2016.
“Proteger as nossas crianças”
A acção de fiscalização ocorreu depois de o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, ordenar a recolha da banda desenhada, alegando ser preciso proteger as crianças de conteúdo impróprio, porque dois personagens gays se beijam.
“Precisamos proteger as nossas crianças. Por isso, determinámos que os organizadores da bienal recolhessem os livros com conteúdo impróprio para menores. Não é correcto que elas tenham acesso precoce a assuntos que não estão de acordo com as suas idades”, escreveu o autarca no Twitter.
Marcelo Crivella é evangélico — bispo fora de funções da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) — e, juntamente com outros líderes políticos conservadores, como o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro, posiciona-se publicamente contra a chamada “ideologia de género”, utilizada no Brasil por grupos conservadores contrários às discussões sobre diversidade sexual e identidade de género.
Segundo informações divulgadas pelo jornal brasileiro Folha de S. Paulo, os fiscais chegaram à bienal por volta das 12h locais (16h em Lisboa) e distribuíram-se pela feira para visitar os stands juntamente com o subsecretário de operações da Secretaria Municipal de Ordem Pública do Rio de Janeiro, coronel Wolney Dias, em busca de livros com “conteúdo pornográfico”, descreve a Folha.
Questionado sobre a iniciativa, Wolney Dias negou que a intenção de recolher a banda desenhada seja um acto de censura, afirmando tratar-se apenas do cumprimento de uma recomendação da Procuradoria-Geral do Município.
Ilustrador reage
Para além dos tribunais, a reacção não se fez esperar em outras esferas.
Este sábado, a ilustração do beijo gay de Vingadores faz a primeira página do jornal Folha de S.Paulo.
Na sexta-feira, o conhecido youtuber brasileiro Felipe Neto decidiu comprar 14 mil livros sobre a temática LGBT que estavam a ser vendidos na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, anunciando que os iria distribuir gratuitamente no evento.
Os livros serão oferecidos com um autocolante onde se lê: “Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”.
No Instagram, o autor das ilustrações de Vingadores — A Cruzada das Crianças escreveu “foi com grande surpresa” que soube que o prefeito do Rio de Janeiro tinha decidido banir a venda do livro “for material alegadamente impróprio”.
“Não sei o que levou o prefeito a andar atrás de um trabalho que tem quase uma década e que já estava à venda há muitos anos, mas posso afirmar honestamente que não havia nenhuma motivação nem agendas escondidas para promover um estilo de vida específico, ou dirigir-se a audiências em particular”, escreve o britânico Jim Cheung, numa publicação com a foto das personagens Billy Kaplan e Teddy Altman. “A cena mostra simplesmente um momento de carinho entre duas personagens que estão numa relação estável”.
O ilustrador acrescenta ainda que a posição do autarca “talvez apenas sublinhe o quão desligado ele deve estar dos tempos actuais”. “A comunidade LGBTQ está aqui para ficar, e não tenho nada mais do que amor e apoio para quem continua a lutar por validação e uma voz a ser ouvida”, escreve Cheung.