Booksmart: a adolescência numa placa de Petri

Filmar o moroso, sofrível processo que é a adolescência, de forma concisa e imaginativa, só pode ser um grande êxito.

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ANNAPURNA PICTURES

Se Eighth Grade (um dos melhores filmes de 2018, sem conhecer lançamento em Portugal) trouxe a precoce voracidade pelos rituais de passagem adolescente, o brilhante Booksmart é um atestado ao pudor juvenil — e o quão rápido este se dissolve no tempo e espaço certos: uma noite e uma festa em casa.

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Se Eighth Grade (um dos melhores filmes de 2018, sem conhecer lançamento em Portugal) trouxe a precoce voracidade pelos rituais de passagem adolescente, o brilhante Booksmart é um atestado ao pudor juvenil — e o quão rápido este se dissolve no tempo e espaço certos: uma noite e uma festa em casa.

Quem já viu a estreia na realização de Olivia Wilde sabe da incorrecção: são três as festas, todas na véspera da formatura do liceu. Contudo, as duas primeiras são um delirante mecanismo narrativo para a celebração peremptória. Melhor, para as conduzir: as melhores amigas Molly e Amy estão unidas pelos trabalhos de casa e o estudo, a reverência a uma professora (demasiado) afável, as festas do pijama, os elogios exacerbados (na linguagem hiperbólica actual, de matiz queer, exclamativa e monárquica).

Embora cada uma com as suas seguranças e limites, esse laço agrega-as, mas o nó está principalmente na tomada dessa visão académica, sanitizada, sem álcool ou drogas, como o mundo na sua totalidade. Uma saída à noite é uma mancha no currículo, ou seja, um sacrifício pela integridade. Numa época de positivismo sexual, é flagrante que duas amigas íntimas só falem da sua libido já em vésperas da universidade, transposto o constrangimento.

Todas estas barreiras, como a resistência auto-imposta às substâncias e à confraternização com os supostos falhados da turma, vacilam tão rapidamente quanto o primeiro desejo de as quebrar. A sexualidade — aprendida e concretizada em simultâneo — é um móbil, mas secundário à epifania sobre o estudo e a farra não serem mutuamente exclusivos. Acontece quando Molly, gozada por três colegas populares, tenta ripostar com a sua superioridade académica e futuro garantido, ficando a saber que os destinos destes são a Google e as universidades de Yale e Harvard. Como hoje dizemos, estudar ou ser inteligente não é uma personalidade e deixa espaço livre para os absurdos apetecidos. A dualidade saudável lê-se em Inteligentes e Rebeldes — das primeiras vezes que o subtítulo de um lançamento português, em vez de ridículo, cumpre um propósito.

As amigas aproveitam a última noite para se divertirem com os colegas, não antes de um circuito breve de estranheza, droga e pantomimas, que dá ao filme o seu miolo cómico — peripécias pouco nojentas ou gratuitas, que traçam um percurso sólido até à paragem terminal. Só depois Molly e Amy alcançam a festa mais solicitada, conferindo a Booksmart a sua gravidade emocional e relevo no sobrepovoado género da comédia adolescente.

A revelação que é a realizadora Wilde serve-nos a adolescência numa placa de Petri: examinável numa amostra de poucas horas, no lugar-comum da vivenda com piscina. Afinal, trata-se da última oportunidade das resguardadas Molly e Amy se submeterem aos clichés iniciáticos da sua idade, compactados numa noite. O foco reverte então para a personagem mais bem delimitada e tridimensional da trama, Amy: lésbica assumida, sem experiência, tenta juntar-se à sua crush. Uma longa corte acaba por ser unilateral, e a não-reciprocidade torna-se em tristeza e confronto, que a levam a uma relação imediata e sem sucesso, numa casa de banho. Ela e Molly têm uma discussão colossal e a honestidade reforça o vínculo.

Simula-se em minutos o tipo de drama que, na vida real, se prorroga por meses, de forma inventiva, sensível, refrescante, onde os excessos do cânone são purificados. Filmar o moroso, sofrível processo que é a adolescência, de forma concisa e imaginativa, só pode ser um grande êxito.