Governo de Hong Kong anula lei da extradição. É “demasiado tarde”, dizem manifestantes
Carrie Lam rejeita as restantes reivindicações do movimento que garante que não vai deixar as ruas. “Isto é como pôr um penso rápido numa ferida gangrenada.” A natureza dos protestos mudou nas 13 semanas de manifestações.
Ao fim de quase três meses de uma convulsão política profunda em Hong Kong, a chefe do governo, Carrie Lam, cumpriu a primeira exigência dos manifestantes e cancelou a proposta de lei da extradição. Mas se no início da crise esta decisão era suficiente para neutralizar os protestos, hoje parece insuficiente para resgatar a paz perdida na metrópole.
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Ao fim de quase três meses de uma convulsão política profunda em Hong Kong, a chefe do governo, Carrie Lam, cumpriu a primeira exigência dos manifestantes e cancelou a proposta de lei da extradição. Mas se no início da crise esta decisão era suficiente para neutralizar os protestos, hoje parece insuficiente para resgatar a paz perdida na metrópole.
“A natureza do movimento de protesto transformou-se nas últimas 13 semanas. Se Lam não der mais passos, podemos esperar que os protestos continuem”, disse ao jornal The Guardian o investigador da Universidade de Macquarie em Sydney, Adam Ni.
Num sinal de que a decisão pode não acalmar os ânimos nas ruas de Hong Kong, Joshua Wong, um dos principais líderes do sector pró-democracia, escreveu na sua página de Facebook a mensagem: “Demasiado tarde”.
Numa curta comunicação ao final do dia de quarta-feira, Lam confirmou o que horas antes já era avançado pela imprensa local e anunciou que ia pedir a retirada da polémica lei para “acalmar integralmente as preocupações públicas”.
“É Hong Kong ainda um local seguro?”, começou por questionar a dirigente, numa declaração transmitida pela televisão. “Pessoas com opiniões diferentes estão a ser atacadas, o que aconteceu nos últimos dois meses chocou muita gente”, continuou. A chefe do governo de Hong Kong também se comprometeu a nomear uma comissão de inquérito para apurar “as causas fundamentais” na origem dos protestos e para definir soluções a adoptar no futuro.
O recuo do governo local, escolhido por Pequim, não foi bem recebido pelos manifestantes, que prometeram manter os protestos. Dois membros do movimento pró-democracia, que se apresentaram como porta-vozes, deram uma conferência de imprensa de cara tapada. “Só quando todas as nossas cinco reivindicações forem cumpridas é que iremos parar a nossa luta”, garantiu um deles, que se identificou apenas como Law.
A retirada da proposta de lei, disse outro dos porta-vozes não resolve absolutamente nada: “Isto é como pôr um penso rápido numa ferida gangrenada.”
O fim do debate sobre a lei é uma das cinco exigências que têm sido enunciadas pelos manifestantes, apesar de em Junho Lam ter já declarado o diploma “morto” ao suspender a sua aprovação. Os manifestantes queriam que o projecto fosse abandonado, uma vez que, enquanto figurasse na agenda parlamentar, o debate sobre a sua aprovação podia ser retomado a qualquer momento da legislatura.
A possibilidade de suspeitos de crimes serem extraditados para julgamento na China (gerando receios de a lei ser usada contra opositores políticos) foi a ignição dos primeiros protestos, no início do Verão, mas as exigências dos manifestantes ampliaram-se, sem que a mobilização tenha esmorecido. Para além do abandono da lei, os manifestantes querem uma amnistia para os mais de mil activistas detidos, uma investigação independente à actuação da polícia de choque, o fim da utilização do termo “motim” pelo Governo para definir as manifestações, e a introdução do sufrágio universal na escolha do governo e do parlamento.
Mas as restantes reivindicações foram rejeitadas por Lam na sua declaração desta quarta-feira. A libertação dos detidos foi considerada “não aceitável” pela chefe-executiva e a descrição dos protestos como “motins” foi desvalorizada. “Não há uma consequência legal em relação à forma como estes incidentes são descritos ou categorizados”, explicou a chefe do governo da cidade onde os estudantes universitários e de 200 escolas secundárias começaram na segunda-feira um boicote às aulas de duas semanas.
O lançamento de uma investigação independente à conduta da polícia também foi uma ideia posta de lado, com Lam a manifestar confiança no já estabelecido Conselho Independente de Queixas da Polícia.
Quanto à introdução do sufrágio universal, uma reivindicação que já esteve por trás das grandes manifestações de 2014, ficou apenas uma promessa de a debater caso os protestos cessem. “As discussões devem ser realizadas dentro do enquadramento legal, e numa atmosfera que seja conducente à confiança e compreensão mútuas, sem polarizar ainda mais a sociedade”, afirmou Lam.
É incerto qual será o efeito do cancelamento da lei sobre as próximas manifestações. O objectivo do governo local é procurar enfraquecer o apoio popular aos protestos, mas os opositores mostram-se irredutíveis. O presidente da associação de estudantes da Universidade de Educação de Hong Kong, Leung Yiu-ting, criticou a recusa do governo em cumprir as restantes exigências. “Até que as cinco reivindicações sejam satisfeitas, não me parece que os protestos e o movimento social venham a parar”, afirmou, citado pela Reuters.
"Perante a brutalidade policial, os protestos vão continuar apesar do cancelamento da lei da extradição” disse Joshua Wang, o fundador do partido pró-democracia Demosisto, citado pelo South China Morning Post. “Mantemos as cinco exigências e esta é a nossa decisão. Pequim quer agora que o governo de Hong Kong retire a lei. É um passo muito pequeno para que o povo de Hong Kong abandone as ruas antes de 1 de Outubro”.
A 1 de Outubro a China celebra a fundação da República Popular e o Governo de Pequim quer Hong Kong pacificada antes da data. O primeiro teste a Carrie Lam e a Pequim tem lugar no próximo sábado, dia em que está marcada mais uma manifestação.