Porto. Polémica continua no mercado da Time Out em São Bento
Direcção de Cultura diz ter enviado parecer há uma semana, mas autarquia não tem qualquer registo. UNESCO subscreveu preocupações do ICOMOS sobre projecto para ala sul da estação de São Bento. Mas DGPC desvalorizou e emitiu um parecer positivo. Falta saber posição da câmara
O relatório do Icomos, organismo consultivo da UNESCO para o património, é arrasador. E a UNESCO corrobora as suas preocupações, tendo-o manifestado junto da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Em causa está o projecto para a ala sul da estação de São Bento, onde a Time Out quer instalar um mercado que inclui uma torre de 21 metros assinada pelo Pritzker Souto de Moura. Depois de ter sido tornado público o parecer positivo dado pela DGPC ao projecto, a Câmara do Porto solicitou, a 20 de Agosto, acesso a esse documento. Até agora, garantiu o gabinete de comunicação, “não havia qualquer registo no SIRJUE - Sistema de Informação de Regime Jurídico”. A Direcção Regional de Cultura do Norte, a quem compete enviar essa informação, diz, no entanto, que “a notificação seguiu a 27 de Agosto”, na passada terça-feira.
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O relatório do Icomos, organismo consultivo da UNESCO para o património, é arrasador. E a UNESCO corrobora as suas preocupações, tendo-o manifestado junto da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Em causa está o projecto para a ala sul da estação de São Bento, onde a Time Out quer instalar um mercado que inclui uma torre de 21 metros assinada pelo Pritzker Souto de Moura. Depois de ter sido tornado público o parecer positivo dado pela DGPC ao projecto, a Câmara do Porto solicitou, a 20 de Agosto, acesso a esse documento. Até agora, garantiu o gabinete de comunicação, “não havia qualquer registo no SIRJUE - Sistema de Informação de Regime Jurídico”. A Direcção Regional de Cultura do Norte, a quem compete enviar essa informação, diz, no entanto, que “a notificação seguiu a 27 de Agosto”, na passada terça-feira.
Foi também por ter sabido através da comunicação social da luz verde dada pela DGPC que o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda pediu acesso ao processo. Tanto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que tutela a Comissão Nacional da UNESCO, como ao Ministério da Cultura, sobre quem recaem as responsabilidades da DGPC. Se do primeiro conseguiram obter resposta, como aliás exige a lei, do segundo não veio qualquer esclarecimento. “A DGPC tem sido pouco colaborante e o processo torna-se pouco transparente”, lamenta a deputada Maria Manuel Rola.
Os documentos enviados ao Bloco de Esquerda, e partilhados com o PÚBLICO, mostram a preocupação da UNESCO. Em Abril de 2018, é a própria directora Mechtild Rössler quem escreve à entidade portuguesa para sublinhar aquilo que o Icomos concluiu no seu estudo: “O projecto não deve ser aprovado nos actuais termos.” Mechtild Rössler aconselha a DGPC a ter em conta o plano de reabilitação da estação como um todo, com a localização e ocupação de todos os espaços. E apela a uma intervenção que tenha em causa uma utilização apropriada da estação e novas valências, sem esquecer os princípios de conservação de monumentos históricos. A directora solicita informação regular sobre a forma como essas recomendações vão sendo incorporadas e despede-se, de forma cordial, “agradecendo o apoio e a cooperação” da DGPC.
Mais recentemente, em Julho, as reservas da Comissão Nacional mantinham-se. O presidente José Moraes Cabral recorda, numa carta enviada à DGPC, que esta não entregou ainda as solicitadas informações sobre “a situação actual e futura em termos de mobilidade” na zona de São Bento. E reafirma a ideia de o projecto precisar de alterações: a torre de 21 metros “parece desproporcionada em relação ao espaço disponível”, aponta, pelo que o Icomos pede uma “redução no tamanho da plataforma”, uma vez que, por causa da parte superior, o edifício se torna “demasiado intrusivo no contexto específico desta parte da cidade que é densamente construída”.
Por esta altura, a DGPC já tinha emitido o seu parecer positivo, como adiantou a Agência Lusa a 20 de Agosto: o processo, referiam, estava “aprovado, por homologação da sra. directora-geral de 21 de Maio de 2019 do parecer da Secção do Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura (CNC) de 8 Maio de 2019”. Às questões enviadas pelo PÚBLICO, a DGPC não deu resposta em tempo útil.
Paula Araújo da Silva, directora-geral da DGPC, escreveu ao presidente da Comissão Nacional da Unesco, já no dia 21 de Agosto, depois de se saber do parecer positivo emitido. A dirigente considerava que “as questões relativas à mobilidade” já haviam sido “esclarecidas” antes. Tal como “os aspectos relativos à proposta da estrutura metálica, não estando em causa o valor excepcional do bem”. A decisão estava tomada.
Apesar de referir nessa mesma carta que a apreciação positiva do CNC foi dada aos promotores da obra e à DGPC “no sentido de ser comunicada à Câmara Municipal do Porto”, a autarquia diz não ter recebido qualquer informação. O último parecer que a DGPC emitiu e chegou ao executivo de Rui Moreira, respondeu o gabinete de comunicação ao PÚBLICO, foi em Novembro de 2018, quando essa entidade se pronunciou “favoravelmente” em relação ao projecto, “mas condicionado à análise solicitada à UNESCO, bem como com a condição de não incluir os três quiosques propostos para o exterior”. Na altura, a DGPC informava a autarquia estar a aguardar posição do Icomos/ UNESCO, já que a obra em questão se enquadrava numa zona considerada Património da Humanidade.
E essa avaliação viria a 2 de Abril de 2018. O relatório descreve uma empreitada que “não tem em conta as recomendações internacionais em matéria de intervenção sobre património construído”. Fala nela como um exemplo de “fachadismo” que “não devia ser aprovado”. Preocupado com a “demolição total dos interiores” e “alteração da estrutura metálica”, o Icomos defendia que o projecto, feito com objectivo de “maximizar o espaço”, parecia implicar uma “demolição excessiva”.
Maria Manuel Rola, do BE, diz estar preocupada com a aprovação de um projecto que suscitou tantas dúvidas. As demolições, a falta de serviços sociais a não-manutenção da função primordial da estação e inadequado acesso aos transportes são algumas das preocupações da bloquista. Já para não falar de todas as questões de mobilidade: “O estudo nunca foi entregue à UNESCO”, lamenta.
Do executivo de Rui Moreira, a deputada espera uma “postura de salvaguarda do património”, não aprovando este projecto: “Havendo o mínimo de possibilidade de o património estar em perigo, só pode discordar”. O gabinete de comunicação da câmara diz aguardar mais informações para o seu veredicto. “Só após recepção do parecer final da DGPC, que foi solicitado novamente a 20 de Agosto, está a câmara em condições de tomar uma decisão.” Se a notificação seguiu há uma semana, como garantiu a Direcção Regional de Cultura do Norte, a pronúncia poderá estar por dias.