Uma das fotografias mais icónicas de trabalhadores norte-americanos não é bem o que parece
Almoço no topo de um arranha-céus mostra 11 homens durante uma pausa para almoço – a comer e a trocar cigarros – completamente imperturbados pela localização desse almoço, uma estreita viga de aço que se projectava no céu, a centenas de metros do chão.
Onze pares de sapatos estavam pendurados no horizonte da cidade de Nova Iorque. Era Setembro de 1932 e a Grande Depressão atingia seu auge. O desemprego e a incerteza sentiam-se em toda a cidade e em todo o país. Porém, na rua West 49th, um pilar de esperança erguia-se: o arranha-céus art déco que ficaria conhecido como 30 Rockefeller Plaza.
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Onze pares de sapatos estavam pendurados no horizonte da cidade de Nova Iorque. Era Setembro de 1932 e a Grande Depressão atingia seu auge. O desemprego e a incerteza sentiam-se em toda a cidade e em todo o país. Porém, na rua West 49th, um pilar de esperança erguia-se: o arranha-céus art déco que ficaria conhecido como 30 Rockefeller Plaza.
Os trabalhadores que construíam os seus 70 andares estavam a fazer uma pausa e partilhavam almoços e cigarros. Pareciam completamente imperturbados pela localização desse intervalo: uma estreita viga de aço que se projectava no céu, a centenas de metros do chão.
Enquanto um homem de macacão ajudava outro a acender o seu cigarro, alguém tirou uma fotografia. A imagem resultante tornou-se numa das mais icónicas do mundo, a personificação do espírito do trabalhador americano. Esta imagem está exposta em bares, salas de aula e sindicatos por todo o país. É frequentemente recriada pelos trabalhadores da construção civil, ainda que já tenha 87 anos. E todos os anos, no Dia do Trabalhador, é partilhada nas redes sociais, em homenagem àqueles cujo suor e determinação construíram os EUA.
Os entusiastas sabem a verdade por detrás da fotografia clássica: foi encenada. Os homens da foto eram mesmo os trabalhadores que construíram a estrutura daquele que é actualmente o 22º edifício mais alto da cidade de Nova Iorque e sede dos estúdios da NBC. No entanto, não foram captados a meio do intervalo para o almoço. Em vez disso, o fotógrafo colocou-os na viga para tentar fazer várias imagens que iriam ser usadas na publicidade ao novo prédio. Alguns historiadores acreditam que havia, logo abaixo do enquadramento, uma estrutura de construção mais robusta, naquele que era, à época, conhecido como o edifício da RCA.
“Vê-se a foto uma vez e nunca se esquece”, disse a arquivista do Centro Rockefeller, Christine Roussel, à revista Time, mas “a parte mais engraçada das fotografias” é que foram feitas para publicidade.
Outras fotografias tiradas naquele dia mostram os trabalhadores a jogar futebol, a segurar a bandeira norte-americana ou a fingir dormir na viga de aço. Mas só a fotografia do almoço é que foi publicada no New York Herald Tribune em Outubro daquele ano, sete meses antes da abertura do prédio.
Quem é quem?
Naquela época, o aço era uma parte importante do sonho americano. A siderurgia estava repleta de trabalhadores imigrantes recém-chegados que resistiam às condições precárias de trabalho para construir o país em crescimento.
“Carros, aviões, navios, cortadores de relva, mesas de escritório, cofres dos bancos, baloiços... Viver no século XX na América era viver num mundo feito de aço”, escreveu o historiador Jim Rasenberger no seu livro sobre a liga de metal. “A estrutura de aço tornou a construção civil mais eficiente e económica, e teve um efeito menos pragmático – mas ainda assim, mais significativo. Deu aos humanos a habilidade de subirem até onde os elevadores e a audácia os podiam levar.”
A audácia de 11 homens na fotografia conhecida como Almoço no topo de um arranha-céus ("Lunch atop a skyscraper") é evidente. Mas até ao dia de hoje, as suas identidades são quase desconhecidas.
Quando o New York Post perguntou, em 2003, se alguém conhecia estes homens, recebeu centenas de respostas de pessoas certas que os trabalhadores da fotografia eram seus parentes.
Uma afirmação semelhante – “O meu pai está na ponta, à direita, e meu tio na ponta da esquerda” – está escrita numa cópia da fotografia pendurada num bar em Galway, na Irlanda, que captou a atenção dos irmãos Sean e Eamonn Ó Cualáin, cineastas especialistas em documentários. Queriam encontrar o homem que o escreveu, conhecer a sua família e rastrear todos os outros homens na foto.
Apesar dos seus melhores esforços, o filme de 2012 Men At Lunch não conseguiu provar as afirmações do homem sobre sua família. Os dois irmãos não conseguiram verificar o nome da maioria dos trabalhadores ou afirmação recorrente de que o homem que aparece ao centro, com um cigarro na boca, é Peter Rice, um trabalhador siderúrgico indígena, um dos muitos nativos norte-americanos que construíram Nova Iorque.
Com a ajuda de Roussel, arquivista do Centro Rockefeller, os dois irmãos localizaram dois homens da foto: Joe Curtis, o terceiro a contar da direita, e Joseph Eckner, o terceiro a contar da esquerda. Pouco se sabe sobre ambos os homens.
O fotógrafo por detrás da imagem também é um mistério. Embora muita gente confunda a foto com o trabalho de Lewis Hine, conhecido pelas suas fotografias do Empire State Building e Ellis Island, havia vários fotógrafos no Centro Rockefeller naquele dia. Ninguém sabe ao certo quem pode reivindicar a autoria da famosa imagem.
Para Sergio Furnari, o mistério que envolve os rostos apenas aumenta o fascínio. Furnari é artista plástico e cria esculturas baseadas na fotografia desde os anos 90.
“Tive uma ligação imediata porque sou da Sicília”, disse Furnari ao Our Town em 2017. “Vi um grupo de sicilianos sentados naquela trave”.
As suas esculturas eram do tamanho de uma mão até 2000, quando decidiu que a imagem era tão poderosa que merecia algo maior. Então, criou uma réplica em tamanho real, com 12 metros de comprimento. Terminou-a logo após o 11 de Setembro de 2001. Uma altura em que o país precisava de um impulso, tal como tinha acontecido durante a Grande Depressão, considerou.
Furnari montou a escultura em forma de I dentro de um camião e passou semanas a conduzir pela cidade de Nova Iorque. Viajou por todo o país, enquanto em Nova Iorque, o Ground Zero se tornava a base do World Trade Center. Os trabalhadores siderúrgicos passaram 11 anos a erguer a nova estrutura para que ela fosse a mais alta dos EUA.
Apesar de a sua determinação continuar a inspirar, muita coisa mudou desde que a famosa fotografia foi tirada – incluindo os regulamentos de segurança. Quando os trabalhadores faziam uma pausa para almoçar, as suas botas estavam obrigatoriamente em terra firme.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post