As falhas nos estatutos do sindicato dos motoristas que podem levar à sua extinção, apontadas pelo MP
O facto de Pardal Henriques ser advogado e não motorista e ter um cargo no sindicato é um dos argumentos apresentados pelo Ministério Público no pedido de extinção. Siglas parecidas, moradas de escritórios de advogadas e falhas de dirigentes em reuniões levantam dúvidas.
A acção declarativa do Ministério Público (MP) para a extinção do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) tem 72 páginas, sendo que é nas primeiras 17 que estão plasmados os argumentos que servem de base ao pedido e nas restantes estão os anexos: o requerimento à Direcção Central do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT) para a constituição do sindicato, feito por Francisco São Bento, o presidente da mesa da Assembleia Geral Constitutiva, actas, folha de presenças nas reuniões, estatutos, e comunicações da DGERT.
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A acção declarativa do Ministério Público (MP) para a extinção do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) tem 72 páginas, sendo que é nas primeiras 17 que estão plasmados os argumentos que servem de base ao pedido e nas restantes estão os anexos: o requerimento à Direcção Central do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT) para a constituição do sindicato, feito por Francisco São Bento, o presidente da mesa da Assembleia Geral Constitutiva, actas, folha de presenças nas reuniões, estatutos, e comunicações da DGERT.
O MP considera antes de mais que há violações do estatuto da estrutura sindical. O primeiro argumento é que na assembleia em que foi constituído o sindicato, “tomou parte pelo menos uma pessoa que, ao que tudo indica, não detém relação jurídica de trabalho subordinada, no âmbito profissional indicado nos estatutos”.
“Com efeito, o Dr. Pedro Miguel Braz Pardal Henriques é advogado inscrito na Ordem dos Advogados e consta do elenco das pessoas singulares que participaram na constituição do sindicato, quer na acta da assembleia constituinte, quer da lista de presenças que acompanha a referida acta”, lê-se no documento a que o PÚBLICO teve acesso.
Depois, o MP refere que a DGERT fez uma pesquisa na internet e verificou o seguinte:
“O presidente da Assembleia Geral da ANMMP (Associação Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas), Gonçalo Vieira corresponderá à mesma pessoa eleita para o cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral do SNMMP. No entanto, verifica-se ainda que não consta do registo de presenças da assembleia constituinte e da eleição dos órgãos sociais, que tiveram lugar na mesma data.” Ou seja, faz parte da estrutura no papel, mas não foi às reuniões, nomeadamente à que deu origem à constituição da estrutura directiva do sindicato.
O mesmo acontece com Ricardo Caracol: “Acresce que o “presidente do Conselho Fiscal da ANMMP, Ricardo Caracol, corresponde à mesma pessoa eleita para o cargo de tesoureiro da direcção do SNMMP. No entanto, verifica-se que, embora conste da acta da assembleia constituinte, não assina o registo de presenças da mesma e da eleição dos órgãos sociais.” E ainda com o presidente Francisco São Bento.
Além disso, as folhas com as assinaturas, entregues na DGERT, para atestar a presenças na constituição e eleição de órgãos do SNMMP têm o logótipo da ANMMP. O MP conclui, por isso, que “não é possível atestar com rigor se [aquele documento] pertence efectivamente ao acto de constituição e da eleição dos membros dirigentes do SNMMP, para além de que do referido documento não consta a data e local”.
O MP refere também o facto da própria DGERT se ter pronunciado pela existência de diversas desconformidades a leis imperativas quanto ao texto estatutário do SNMMP.
Morada do escritório de Pardal Henriques
Na acção, o MP expõe, assim, toda a argumentação da DGERT sobre os estatutos do sindicato.
A primeira questão levantada é a denominação. O sindicato tem exactamente a mesma denominação que a associação. “Os estatutos devem regular a respectiva denominação e esta deve identificar o âmbito subjectivo, objectivo e geográfico da associação e não pode confundir-se com a de outra associação existente.”
Outra questão apontada é a morada apresentada. “(…) cabe referir que a morada da sede da associação sindical corresponde à morada do escritório da sociedade de advogados International Lawyers Associated, bem como ao domicilio profissional, nomeadamente do Dr. Pedro Pardal Henriques, o que pode colocar em causa o princípio da autonomia e independência da associação sindical”.
É referido que o artigo 405 do Código do Trabalho proíbe a intervenção de terceiros na sua organização e gestão e ao seu financiamento bem como na sua constituição.
Os estatutos do sindicato tentaram validar a presença do advogado Pardal Henriques ao definirem o seguinte: “Prevê-se que podem fazer parte da associação sindical para além das pessoas singulares que exerçam a actividade de motorista de matérias perigosas e as que pela prática de actos relevantes, contribuam para o prestigio e desenvolvimento da associação.”
Para a DGERT os estatutos visam” permitir a inscrição como associados de pessoas que não exercem, de facto, a actividade de motorista de matérias perigosas, o que afronta as normas legais”.
Além destas questões, a DGERT apontou ainda o facto de o estatuto do sindicato prever a existência de uma Comissão de recursos mas não regular o funcionamento da mesma. “Com a aludida omissão viola-se o disposto na alínea B) do n.º1 do artigo 450 do Código do Trabalho, norma imperativa a qual prescreve que os estatutos de associação sindical devem regular o funcionamento dos respectivos órgãos”.
Os estatutos do sindicato também falham, segundo o parecer da DGERT, na regulação da extinção e consequente liquidação da associação, bem como do destino do respectivo património. O Código do Trabalho obriga a “que se assegure que, em caos de extinção judicial ou voluntária de associação sindical, os bens sejam distribuídos pelos associados”.
Os estatutos não asseguram estas exigências, nem regulam o chamado “direito de tendência”. Ora, nos estatutos, é referido o seguinte: “A associação sindical reconhece no seu seio a existência de diversas correntes de opinião político-ideológica cuja organização é exterior ao movimento sindical e da exclusiva responsabilidade das mesmas.” Mas depois remete a regulação do direito de tendência para o capítulo XVIII dos estatutos, sendo que os mesmos terminam no capítulo XVII. Não há capítulos seguintes.
Com base nos argumentos da DGERT, o MP entregou a 9 de Agosto a acção declarativa, em Tribunal, a solicitar a extinção do sindicato.