Viva a “geringonça”, abaixo a “geringonça”
Esta reta final está a mostrar que o PS vê a “geringonça” como uma camisa de forças da qual se quer ver livre.
A solução política que se alcançou em 2015 conseguiu um inequívoco reconhecimento popular. Os resultados das políticas seguidas transformaram o insulto “geringonça” numa palavra acarinhada pelo país. Os medos ou receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos de direita. Quatro anos depois, as pessoas fazem um balanço positivo.
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A solução política que se alcançou em 2015 conseguiu um inequívoco reconhecimento popular. Os resultados das políticas seguidas transformaram o insulto “geringonça” numa palavra acarinhada pelo país. Os medos ou receios não se tornaram realidade, ficando apenas para assombrar os partidos de direita. Quatro anos depois, as pessoas fazem um balanço positivo.
O que pareceria uma benção para o Partido Socialista, está a transformar-se numa maldição para as ambições de António Costa. É certo que os últimos quatro anos serviram para fazer esquecer a governação de Sócrates e permitiram um lifting na imagem que o país tem do PS. O problema para o primeiro-ministro é que as pessoas reconhecem neste processo os méritos dos acordos feitos com os partidos de Esquerda e sabem como seria diferente se o PS tivesse governado sozinho. E esse é o grande obstáculo aos desejos de maioria absoluta que estão na mente dos dirigentes socialistas.
Carlos César foi mais explícito quando pediu uma “maioria clara” para evitar “exigências excessivas” de eventuais parceiros. Esta formulação é um inequívoco ataque ao espírito que levou à assinatura dos acordos em 2015. Neste grito pela autossuficiência do PS está implícita a morte de quaisquer diálogos, concluindo que acordos são já parte do passado, agora o tempo é de outras modas.
Os métodos de António Costa são mais subtis, reconheça-se, mas a tática é a mesma. Alerta para eventuais perigos dos atuais parceiros - até parece debitar os mesmos problemas que faziam parte da lista com que há quatro anos Cavaco Silva o ameaçou -, para dar a entender que o futuro só será risonho se o PS tiver o poder absoluto. Para António Costa a “geringonça” foi chão que já deu uvas, só não lhe toca a finados porque ela está no coração nacional e isso traria má publicidade em período eleitoral.
Ao mesmo tempo que afirma que “um dos fatores distintivos de Portugal no conjunto da Europa é sermos praticamente uma espécie de aldeia do Astérix da estabilidade”, António Costa alerta para a instabilidade que os partidos de Esquerda poderão causar (os mesmos que garantiram durante quatro anos a estabilidade que apregoa). Na banda desenhada, o grande medo do chefe da aldeia gaulesa é que o céu lhe caia na cabeça. Nesta aldeia nacional, o grande medo do chefe do executivo parece ser o de não ter todo o poder, daí esta incongruência. As juras de amor à “geringonça” parecem ser promessas de traição futura.
Até o discurso do diabo parece agora ressurgir, cavalgando o primeiro-ministro os prenúncios de uma crise internacional para cumprir o objetivo habitual: difundir o medo para tornar as pessoas menos exigentes e menos reivindicativas. Mais um golpe no espírito da solução política iniciada em 2015, pois a primeira vitória que se conseguiu foi quando a esperança nas novas políticas venceu o medo de quem defendia a austeridade. E até chega a faltar à verdade quando diz que, no que toca à forma de gerir o enorme problema da dívida pública, não seria possível ter acordo com os partidos à Esquerda. Ora, isso até foi conseguido no Grupo de Trabalho que o Bloco de Esquerda teve com o PS, o governo é que não quis aplicar aquilo que o próprio PS assinou.
Ainda precisa de mais exemplos para aceitar que a agulha mudou? Há um que é lapidar: perguntaram a António Costa quem era o seu maior adversário, se o PSD ou o Bloco de Esquerda, e o primeiro-ministro fugiu à pergunta. Um dos parceiros passou rapidamente a adversário porque se coloca como o grande entrave a essa maioria absoluta.
Esta reta final está a mostrar que o PS vê a “geringonça” como uma camisa de forças da qual se quer ver livre. Não gostou de ter de negociar com os partidos à Esquerda para aumentar salários e pensões, combater a precariedade ou redistribuir melhor a riqueza? Será dessas medidas de justiça na economia que quer fugir para a maioria absoluta?
O que vale é que, em democracia, não são os políticos que escolhem os vencedores, é o povo que decide em quem vai votar. Assim foi em 2015 e assim será agora.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico