“Se os médicos se não se põem a pau, qualquer dia desaparecem, qualquer robô faz melhor”
Lista de espera para cirurgia no IPO de Lisboa aumentou muito no ano passado, mas só 38 doentes, num universo de mais de seis mil, quiseram ser operados fora deste hospital.
Só 38 doentes, em mais de seis mil, quiseram ser operados fora do IPO de Lisboa, revelou o presidente do conselho de administração do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, João Oliveira.
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Só 38 doentes, em mais de seis mil, quiseram ser operados fora do IPO de Lisboa, revelou o presidente do conselho de administração do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, João Oliveira.
As listas de espera aumentaram muito no ano passado no IPO de Lisboa?
Em 2018, em mais de seis mil operações por ano, aumentou imenso o número de cirurgias feitas no âmbito do SIGIC [Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia, que obriga a que, quando se ultrapassa o prazo limite para a intervenção, o doente receba um vale para fazer a cirurgia noutro sítio], mas só 38 doentes quiseram ser operados fora do IPO. Os doentes preferem ser operados no IPO, mesmo que tenham que esperar um bocado mais. A percentagem dos que são tratados fora do tempo máximo de resposta garantida aumentou por via administrativa em 2018 [porque o tempo máximo de espera foi reduzido pela tutela], mas a realidade da espera não se modificou substancialmente. Agora, toda a gente quer que tudo seja mais rápido. Mas, para conseguir-se isso, há reorganizações a fazer.
O IPO tem muitos médicos em simultâneo no público e no privado?
Sim e isso é mau. No IPO temos um bom núcleo de médicos em dedicação exclusiva, mas gostaríamos que houvesse uma parte mais substancial de médicos e enfermeiros em dedicação exclusiva. A nossa dificuldade é a de fixar os profissionais que são facilmente tentados por pouco mais [dinheiro] no privado.
Como olha para o que está a acontecer com a ADSE?
Não vale a pena falar do elefante que é a ADSE. A ADSE é paga pelos funcionários públicos mas o seu principal problema actual é não ter, também porque houve falta de investimento em recursos humanos, capacidade de analisar o que paga. A ADSE não tem feito uma avaliação capaz daquilo que facturam os grandes grupos privados. Tanto quanto percebo, a ADSE tem muitas dificuldades em analisar a facturação no sentido crítico, clínico, algo que no SNS, apesar de tudo, se consegue fazer internamente. A ADSE é um grande financiador dos hospitais privados, mercê de um grande desequilíbrio informativo, porque visivelmente não tem o aparelho de validação dos consumos que precisava de ter. E não é um puro seguro de saúde, não tem limites de idade, de prestações. Para ser sustentável, não pode pagar acriticamente. Mas todos temos que ter formas de gestão que sejam adaptadas aos constrangimentos que existem actualmente e que continuem a preservar o serviço público, diminuindo a necessidade de recorrer aos privados.
Acredita que o cancro vai ter cura dentro de alguns anos?
Não. O cancro é nosso…
O que pensa da utilização das palavras guerra e guerreiros quando se fala dos doentes oncológicos nos media?
Acho que é injusto usar essa metáfora bélica. Pense na angústia da pessoa que não se está a safar por contraste com os guerreiros. Com o cancro, a vida está alterada para sempre, não há uma maneira boa de se passar por isto. Mas podemos fazer melhor se não complicarmos a vida às pessoas, se lhe explicarmos as coisas. O principal problema dos doentes é não saberem quando vão ser tratados. Também temos que ser dinâmicos na sua avaliação. Temos que ser médicos, coisa que é cada vez mais difícil. Somos cada vez mais intermediários de tecnologias e a parte relacional perde-se. Se os médicos se não se põem a pau, qualquer dia desaparecem, qualquer robô faz melhor.