O lítio põe em causa redução das emissões? Quercus diz que sim, Governo rejeita

Quercus fez contas e diz que minas de lítio já autorizadas põem em causa metas de descarbonização. O Governo afirma o contrário: as baterias de lítio são fundamentais para armazenar energia de fontes renováveis.

Foto
Manifestação antilítio na Serra da Estrela, este sábado Sérgio Azenha

Portugal poderá falhar as metas de redução das emissões de CO2 com o aumento da exploração de lítio, conclui o estudo da Quercus O Custo Ambiental do Lítio Português, apresentado nesta segunda-feira. Por cada mina de lítio explorada serão emitidas mais 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (Mt CO2) por ano, diz a Quercus. O Governo contesta as conclusões.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Portugal poderá falhar as metas de redução das emissões de CO2 com o aumento da exploração de lítio, conclui o estudo da Quercus O Custo Ambiental do Lítio Português, apresentado nesta segunda-feira. Por cada mina de lítio explorada serão emitidas mais 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (Mt CO2) por ano, diz a Quercus. O Governo contesta as conclusões.

O estudo partiu da análise dos planos de lavras das três concessões já emitidas em Portugal: minas da Cepeda, em Montalegre; do Barroso, em Covas do Barroso; e da Argemela, em Barco, na Covilhã.

Para além dos dados de emissões das futuras explorações, também foram tidas em conta a tipologia e a quantidade de maquinaria necessária à laboração dessas minas. Em particular, analisou-se a emissão de dióxido de carbono dessas máquinas durante um ano para fazer uma “estimativa de emissões que uma exploração mineira a céu aberto poderá ter associadas”, lê-se no estudo.

Concluiu-se que, “em média, uma mina de exploração de lítio a céu aberto emite 1,79 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono (Mt CO2) por ano”. Mais: “Em relação às necessidades de redução de emissões de CO2 a partir de 2020, existe um saldo negativo na ordem das 0,5 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono por ano, em média”. Sublinha-se também que as máquinas e os “veículos de elevada tonelagem” são os “que têm emissões poluentes associadas mais elevadas, nomeadamente CO2”, em comparação com outros equipamentos da extracção de lítio.

Segundo a Quercus, cada uma das três minas de lítio vai emitir em CO2/ano “valor igual ou superior ao compromisso nacional de redução de emissões entre 2020 e 2030, anulando por completo a meta de redução anual de 1,29 MtCO2”.

Método de extracção é “severamente prejudicial para o ambiente"

Esta meta, inscrita no Plano Nacional Energia-Clima 2030 (PNEC 2030), apresentado em Janeiro pelo Governo, visa “promover a descarbonização da economia e a transição energética, visando a neutralidade carbónica em 2050”. Para a alcançar, será necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 18% e 23% em 2020 (entre 68 e 72 Mt CO2e) e 45% e 55% em 2030, tendo por base os valores registados em 2005.

O estudo da Quercus antevê “um impacto directo muito significativo nos objectivos e metas preconizadas no PNEC 2030”, com “mais 2,53% de emissões de CO2 em relação a 2017” por ano e por cada mina a céu aberto.

A associação ambientalista exige, por isso, em comunicado, que o Governo “cancele de imediato todos os procedimentos concursais já em vigor” e que “não avance na intenção de lançamento de oito novos concursos para a exploração de lítio em Portugal”. A Quercus considera que o método de extracção “é severamente prejudicial para o ambiente, com elevados níveis de emissões de CO2, pelo que a estratégia para o lítio lançada pelo Governo no ano passado deve ser suspensa de imediato”.

Das três minas analisadas pela Quercus, a mina com maior estimativa de emissões poluentes e impacte na qualidade do ar é a do Barroso, por ter um número mais elevado de equipamentos de acordo com o plano de lavra.

Lítio é essencial para metas da descarbonização, diz ministro do Ambiente

O ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, garantiu, nesta segunda-feira, que o concurso para a prospecção exploração do lítio é rodeado de “todos os cuidados ambientais”, sendo a ponderação feita caso a caso, entre o contributo para a descarbonização e os ecossistemas locais a preservar, na avaliação de impacto ambiental.

Segundo o ministro, que falava em S. Jacinto, Aveiro, e para quem a alternativa à exploração do lítio em Portugal é a sua importação, as baterias de lítio são fundamentais para armazenar energia de fontes renováveis, e só assim será possível o país cumprir as metas de descarbonização: em 2030 cerca de 80% de electricidade com origem em fontes renováveis e em 2050 atingir os 100%.

O ministro do Ambiente aproveitou para referir que existem em Portugal 56 explorações de feldspato, usado na indústria cerâmica, cujo impacto é semelhante. “Em que é que a exploração de lítio é diferente da de feldspato? Em nada. Trata-se de uma pedreira, onde se faz o desmonte de pedra e uma parcela dessa pedra é minério de lítio”, questionou.

No Twitter, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, considerou que a crítica da Quercus é “absurda” e que o estudo “de científico não tem mesmo nada”, uma vez que as suas conclusões se aplicam a “qualquer actividade económica”. “No fundo, o que eles disseram foi: mais actividade económica implica que Portugal falhe as metas da descarbonização”, argumentou, em resposta a um utilizador do Twitter.

“Uma mina de lítio é igual a centenas de pedreiras de granito e minas de quartzo e feldspato que existem já hoje em Portugal, mas com regras ambientais muito mais apertadas”, continuou Galamba. “A Europa precisa de lítio. A questão a debater é se queremos que essa exploração seja feita no continente com regras ambientais e laborais mais exigente do mundo ou se queremos fazer outsourcing e deixar que isso seja feito em países sem regras”, completa.

O lítio é um metal usado para a fabricação de baterias como as encontradas em telemóveis, tablets ou carros eléctricos. A América do Sul é a região do globo com as maiores reservas de lítio – só a Bolívia, Chile e Argentina concentram 70 a 80% das reservas mundiais, de acordo com os dados recolhidos pelo Serviço Geológico dos EUA (USGS), citado pelo estudo da Quercus. A espodumena – mineral de onde se extrai o lítio – foi descoberta em Portugal em 1800. Portugal é, também, a maior reserva conhecida deste material na Europa Ocidental, com 60 mil toneladas de lítio, concentradas maioritariamente no Norte e Centro do país.

Notícia corrigida na escala dos valores das emissões de CO2