Notícias falsas, falsas memórias

Num estudo académico, participantes “lembravam-se” de factos e pormenores que, na verdade, nunca tinham acontecido.

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A desinformação tem marcado eleições nos últimos anos Miguel Manso

As tecnologias de informação permitem, como nunca, a proliferação de mentiras, boatos e das chamadas “notícias falsas”: desde publicações em redes sociais a sites inteiros concebidos para se assemelharem a órgãos de comunicação, passando por deep fakes, os vídeos que recorrem a tecnologia de inteligência artificial para criar imagens credíveis que, na realidade, nunca existiram. A desinformação online poderá ter tido um papel nas eleições presidenciais americanas, no referendo do “Brexit” e nas presidenciais brasileiras.

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As tecnologias de informação permitem, como nunca, a proliferação de mentiras, boatos e das chamadas “notícias falsas”: desde publicações em redes sociais a sites inteiros concebidos para se assemelharem a órgãos de comunicação, passando por deep fakes, os vídeos que recorrem a tecnologia de inteligência artificial para criar imagens credíveis que, na realidade, nunca existiram. A desinformação online poderá ter tido um papel nas eleições presidenciais americanas, no referendo do “Brexit” e nas presidenciais brasileiras.

Os efeitos da desinformação na Internet e a forma como as pessoas a apreendem têm sido alvo de vários trabalhos académicos. Um estudo recente veio indicar que as notícias falsas tendem a gerar imediatamente memórias falsas: quando confrontados com informação inventada sobre pessoas ou eventos, muitos indivíduos afirmam que têm memória dos factos descritos e, em alguns casos, chegam a dizer recordar-se de pormenores que não constam da notícia falsa. O estudo foi publicado esta semana na revista científica Psychological Science. É assinado por investigadores em Psicologia da Universidade de Cork, na Irlanda, e da Universidade da Califórnia, e vem corroborar trabalhos académicos anteriores.

A investigação decorreu em 2018, nas semanas que antecederam o referendo à liberalização do aborto na Irlanda (dois terços dos votantes optaram por despenalizar o aborto). Para a experiência, foram recrutados online 3140 potenciais votantes no referendo. A cada um foram mostradas seis supostas notícias, duas das quais eram inventadas, mas plausíveis. Destas duas notícias falsas, uma era negativa para uma personalidade defensora do “sim” no referendo e outra era negativa para uma personalidade do lado do “não”. As histórias negativas eram sobre financiamento ilegal de cartazes ou sobre afirmações inflamatórias proferidas pelo protagonista da notícia.

Depois de lerem um resumo e um parágrafo de cada notícia, os investigadores questionavam os participantes sobre eventuais memórias que tinham dos factos descritos. Os participantes eram então informados que algumas das histórias eram mentiras e era-lhes pedido que indicassem quais aquelas que julgavam serem falsas.

Dos participantes no estudo, 43% afirmaram ter memórias de pelo menos uma das notícias falsas. Além disso, os defensores do “sim” mostraram mais tendência para acreditar — e para se “lembrarem” — de notícias falsas negativas para o lado do “não”, ao passo que os defensores do “não” mostraram uma inclinação inversa.

Uma das investigadoras argumenta que as conclusões poderiam ser semelhantes com outro tipo de eventos: “Em disputas políticas altamente emocionais e que dividem as pessoas, como as eleições presidenciais dos EUA em 2020, os votantes podem ‘lembrar-se’ de notícias inteiramente inventadas”, afirma Gillian Murphy, num comunicado que acompanhou a publicação do artigo. “Em particular, é provável que se ‘lembrem’ de escândalos que prejudicam o candidato oposto.”