Uma questão de humanidade
A proteção destes jovens e o respeito pelos seus direitos é um tema sério e que merece um debate responsável e informado.
Nos últimos dias muito se tem dito, escrito e sobretudo especulado sobre o despacho que vem estabelecer as medidas para a implementação nas escolas da lei da identidade de género. Muito se tem falado mas muito pouco, ou quase nada, corresponde à verdade.
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Nos últimos dias muito se tem dito, escrito e sobretudo especulado sobre o despacho que vem estabelecer as medidas para a implementação nas escolas da lei da identidade de género. Muito se tem falado mas muito pouco, ou quase nada, corresponde à verdade.
O debate de ideias que normalmente acompanha medidas pioneiras como a que aqui está em causa, e que é sempre de saudar em sociedades democráticas, assumiu neste caso contornos que infelizmente vão marcando cada vez mais o debate público: a propagação de falsidades e deturpação dos factos.
A proteção destes jovens e o respeito pelos seus direitos é um tema sério e que merece um debate responsável e informado. Infelizmente, aquilo a que temos assistido é a um conjunto de atores políticos que não hesita em combinar mentiras e preconceitos para explorar ganhos políticos à custa do sofrimento de jovens que têm nesta lei - finalmente! - uma garantia de proteção e respeito.
Ao contrário do que tem vindo a ser dito, de forma propositadamente falsa e manipuladora, o que está em causa não é a obrigatoriedade de casas de banho mistas ou o uso leviano de um nome que não corresponde à identidade. Essas são duas das falsidades que têm servido para alimentar uma polémica que apenas acentua o ambiente de insegurança e discriminação a que muitas vezes estão sujeitas as crianças e jovens transgénero ou em processo de mudança de sexo.
O que está em causa são medidas de proteção a construir pelas escolas, com a autorização expressa e a participação ativa dos pais e em diálogo com a comunidade educativa, com o objetivo de prevenir situações de discriminação, detetá-las quando existam e intervir adequadamente para as resolver. Medidas que garantam um ambiente em que nenhum adolescente seja discriminado nem deixado para trás no seu percurso escolar, nos anos de formação da sua identidade. Medidas que preparam os profissionais para saberem como apoiar os jovens neste processo.
Medidas que vêm concretizar as orientações inscritas numa lei aprovada na Assembleia da República há mais de um ano depois de um processo legislativo exigente e amplamente participado: esteve em apreciação parlamentar durante mais de 400 dias, foram ouvidas mais de 40 personalidades e recebidos pareceres de inúmeras entidades com relevância para a discussão do tema.
O despacho agora publicado não altera nada que a lei não tivesse já consagrado. Baseando-se nos princípios da segurança, autonomia, privacidade e livre desenvolvimento da personalidade, e respeitando a autonomia das escolas, estabelece medidas que visam exclusivamente defender as crianças, honrando a sua vontade e protegendo a sua intimidade e singularidade.
O despacho responde a uma realidade que existe, a crianças e a jovens concretos, combate discriminações que persistem, como tão bem esclarecem os testemunhos de pais e mães e de jovens que nos últimos dias explicaram a importância das novas regras.
Não se trata de ideologia, mas de humanidade.
Os críticos usam as mentiras e as deturpações para agitar a bandeira da “ideologia de género”, mas onde temos visto ideologia é na manipulação da verdade como forma de defender a perpetuação do sofrimento imposto a adolescentes num momento de particular insegurança e sofrimento apenas para afirmar uma posição política.
A sociedade portuguesa vai demonstrar a sua capacidade de fazer, como tem feito, um caminho na construção de um mundo mais igual, mais justo e menos discriminatório. As escolas vão mostrar, como diariamente o fazem, que são capazes de ser inclusivas e um espaço de direitos, de liberdade e de respeito. Continuaremos o caminho de igualdade que trilhámos até aqui e demonstraremos que aqueles que querem perpetuar a discriminação são, afinal, a minoria.
Artigo escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.