Turismo e nostalgias pós-ditatoriais europeias

Do túmulo de Mussolini à casa de Hitler, passando pelo museu de Estaline e as bolandas com o cadáver de Franco.

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Imagens cartonadas de ditadores europeus num protesto contra uma reunião da extrema-direita em Koblenz KAI PFAFFENBACH/Reuters

Predappio elegeu em Maio o seu primeiro presidente de câmara da direita, apoiado pela Liga, Força Itália e Irmãos de Itália. Uma das primeiras decisões Roberto Canali: abrir o túmulo de Benito Mussolini ao público durante todo o ano para fomentar o turismo na terra natal do ditador italiano.

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Predappio elegeu em Maio o seu primeiro presidente de câmara da direita, apoiado pela Liga, Força Itália e Irmãos de Itália. Uma das primeiras decisões Roberto Canali: abrir o túmulo de Benito Mussolini ao público durante todo o ano para fomentar o turismo na terra natal do ditador italiano.

Até agora as peregrinações de fascistas e nostálgicos à vila de 6000 habitantes nos Apeninos estavam mais concentradas no aniversário da morte do Duce (28 de Abril), do seu nascimento (29 de Julho) e da Marcha sobre Roma (28 de Outubro).

“Actualmente, ao planearem uma visita a Predappio, as pessoas telefonam antes a saber se o túmulo está fechado e depois não vêm. Os restaurantes e as lojas estão a sofrer”, afirmava Canali, citado pelo The Times de Londres.

Daí que a proposta de Canali, como é boa para o negócio, tenha encontrado pouca resistência. O dinheiro fascista vale tanto como outro e a cripta de Mussolini é a principal atracção turística da localidade.

Várias vezes nos anos 1990, no Kremlin se pensou em enterrar o corpo embalsamado de Lenine, como Nikita Khruschev fizera com o de Estaline nos anos 1960, em pleno processo de desestalinização da União Soviética. Nem sequer era por uma questão económica, ontem como hoje, a visita ao mausoléu leninista permanece gratuita. Mas ninguém deu esse passo e o túmulo continua a ser grande atracção turística da capital russa.

Se o embalsamado Estaline não faz companhia ao eterno sono de Lenine, a sua figura é atracção nostálgica na pequena cidade de Gori, onde o museu com o seu nome honra o mais ilustre filho da cidade georgiana – no centro, a máscara fúnebre no seu suporte de mármore.

Durante anos, Gori perguntou-se muitas vezes sobre a forma de lidar com o peso do legado do ditador. Em 2013, segundo o New York Times, o então director da Administração Nacional de Turismo, Giorgi Sigua, teve a ideia de vender a imagem de Estaline ao público chinês “como os judeus estão a vender a imagem de Jesus Cristo” e foi despedido no ano a seguir.

Mesmo sem estratégia nacional de promoção estalinista, a verdade é que o museu de Gori atrai milhares de turistas (cerca de 162 mil no ano passado), sobretudo russos e chineses, bem mais que qualquer outro museu na Geórgia.

Como a história nos foi provando uma outra vez, moradas em vida e últimas moradas atraem nostalgias como íman. Qualquer manual de derrube de ditaduras e manifesto contra-revolucionário ensina que quanto menos referências físicas, menos pontos de convergência se deixam aos seguidores futuros de qualquer ditador. Porque outra coisa que a história nos demonstrou é que a patine da história (ou a falta de memória pura e simples) glorifica feitos e esconde defeitos, mesmo (ou apesar) dos seis milhões de judeus mortos pelos nazis.

O Governo austríaco adquiriu recentemente a casa onde Adolf Hitler nasceu na cidade de Braunau, junto à fronteira com a Alemanha, para evitar que alguém a transforme em centro de romaria para neonazis.

O caso andou pelos tribunais porque a família proprietária sempre achou que a expropriação, em Dezembro de 2016, foi feita por um preço muito baixo. No princípio de Agosto, o Supremo Tribunal austríaco decidiu, por fim, o valor certo, mais do que o Estado pagou, menos do que a família Gerlinde Pommer pretendia.

O Ministério do Interior, que arrendava o edifício desde os anos 1970, chegou a defender a sua demolição, ideia que não agradou a políticos e historiadores. “Depois da decisão do tribunal sobre a compensação, podemos agora encontrar uma utilização para a casa onde Hitler nasceu, dentro do marco da lei, para impedir qualquer actividade relacionada com o nazismo”, disse, em comunicado, o ministro Wolfgang Peschorn.

É de resistências também que se fala em relação ao Vale dos Caídos, em Espanha. Desde que chegou ao poder em 2018 que o Governo socialista procura exumar os restos mortais do general Franco da monumentalidade do recinto construído a 40 km de Madrid. O local que a ditadura espanhola edificou (com trabalho escravo de prisioneiros republicanos) para glorificar Francisco Franco mantém-se um centro de atracção turística e de fervor religioso e político.

O empenho do executivo de Pedro Sánchez deparou-se com muitos obstáculos – familiares, políticos, legais e religiosos –, para transformar o Vale dos Caídos não de símbolo da ditadura e em monumento de respeito pelas vítimas e seus familiares, garantindo a verdadeira transição democrática que a Espanha nunca completou.

Para isso, o Governo espanhol quer até reduzir o poder da Igreja sobre o Vale dos Caídos, retirando da Lei da Memória Histórica a referência ao espaço como “lugar de culto” e derrogar os decretos de Franco para o estabelecimento da abadia beneditina, para permitir às autoridades contrariar o veto do prior da abadia à exumação. Mas isso é outro passo, antes precisa que o Supremo Tribunal decida em seu favor no recurso apresentado pela família contra a exumação do ditador.