Política de Bolsonaro pode travar acordo “histórico” entre UE e Mercosul
Aquilo que demorou 20 anos a negociar pode ser posto em causa antes mesmo de ser ratificado. França, Irlanda e Finlândia querem que a desflorestação da Amazónia tenha consequências para o Brasil. Agro-industriais brasileiros receiam o preço a pagar.
A Finlândia, que detém até ao final do ano a presidência rotativa da União Europeia (UE), pediu nesta sexta-feira aos outros Estados-membros que considerem a possibilidade de banir as importações de carne brasileira como resposta à devastação causada pelos fogos na floresta amazónica. Ao mesmo tempo, Irlanda e França ameaçaram bloquear o acordo entre entre a UE e o Mercosul alcançado em Junho, após 20 anos de negociações. Vontades políticas que expressam o desejo de punir o Governo do Presidente Jair Bolsonaro, cuja política está a ser responsabilizada pelo desastre ambiental.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Finlândia, que detém até ao final do ano a presidência rotativa da União Europeia (UE), pediu nesta sexta-feira aos outros Estados-membros que considerem a possibilidade de banir as importações de carne brasileira como resposta à devastação causada pelos fogos na floresta amazónica. Ao mesmo tempo, Irlanda e França ameaçaram bloquear o acordo entre entre a UE e o Mercosul alcançado em Junho, após 20 anos de negociações. Vontades políticas que expressam o desejo de punir o Governo do Presidente Jair Bolsonaro, cuja política está a ser responsabilizada pelo desastre ambiental.
“O ministro das Finanças, Mika Lintilä, condena a destruição da floresta tropical e sugere que a UE e a Finlândia devem ponderar urgentemente a possibilidade de banir importações de carne do Brasil”, afirma o comunicado do Ministério das Finanças finlandês, citado pela Reuters.
O Presidente francês, Emmanuel Macron – que acolhe este fim-de-semana a cimeira do G7 em Biarritz –, acusou também nesta sexta-feira Jair Bolsonaro de “mentir” e de não respeitar os compromissos ambientais que tinha assumido na reunião do G20. “Dada a atitude do Brasil nas últimas semanas, o Presidente nota que o Presidente Bolsonaro mentiu na cimeira de Osaka”, no Japão, sublinha o Eliseu em comunicado. Por isso, “a França opõe-se ao acordo do Mercosul”.
À semelhança de outros líderes políticos, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar mostrou-se preocupado com a destruição da Amazónia e assegurou que o Governo irlandês vai monitorizar de perto os esforços ambientais do Governo brasileiro até que o acordo com o Mercosul seja ratificado. “A Irlanda não votará a favor do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul se o Brasil não honrar os seus compromissos ambientais”, garantiu Varadkar.
Para bloquear o tratado de livre comércio entre a UE e os quatro países que compõem o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), é preciso o apoio de outros Estados-membros da União Europeia. Dublin tem interesse directo neste dossier, já que o Governo irlandês está a ser pressionado pelo sector agro-pecuário, no sentido de proteger os produtores irlandeses de carne bovina. O sector receia vir a ser prejudicados com uma possível inundação de produtos concorrentes mais baratos vindos de países do Mercosul.
“Não duvido nada que a gritaria geral que a Europa está fazendo seja para não fazer mais o acordo com o Mercosul”, disse o maior exportador de soja do mundo e ex-ministro da Agricultura do Brasil, Blairo Maggi, numa entrevista recente ao Valor Econômico.
O mal-estar internacional provocado pelas decisões políticas de Bolsonaro estão a causar receios até entre os maiores apoiantes do Presidente brasileiro e cuja causa o chefe de Estado defende, os donos do sector agro-industrial. “Como exportador que sou, lhe digo: as coisas estão apertando cada vez mais. Há anos o Brasil vinha defendendo preservação com produção, tínhamos avançado bastante, já tínhamos ganhado confiança do mercado, mas com esse discurso [do governo], voltamos à estaca zero. E aqui faço uma analogia: o Brasil tinha subido no muro e passado a perna para descer do outro lado, agora fomos empurrados de volta e para bem longe do muro”, acrescentou Maggi.
A actuação de Bolsonaro e do Governo brasileiro conseguiu uma quase unanimidade internacional de críticas negativas e o primeiro-ministro irlandês chegou mesmo a classificar de “orwelliana” a tentativa do Presidente do Brasil de culpar as organizações não-governamentais pelos incêndios na Amazónia, como medida de retaliação contra ele.
"O governo [brasileiro] está caminhando num sentido que mesmo os sectores conservadores se assustam com as declarações”, explicou Larissa Bombardi, autora de Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, na Rádio Brasil Atual. “Uma coisa é reconhecer o que tem acontecido, a outra coisa é, além de negar, negligenciar e obscurecer as evidências”, disse.
Macron fez saber que introduziu na agenda da cimeira do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, mais UE), que começa sábado em Biarritz, os incêndios na Amazónia, por se tratar de uma “crise internacional”. Um tema bem acolhido pela chanceler alemã, Angela Merkel, e pela UE. “A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e contém um décimo das espécies mundiais. É por isso que saudamos as intenções do Presidente Macron de discutir o assunto na cimeira do G7, devido à necessidade de agir rapidamente”, disse a porta-voz do executivo comunitário, Mina Andreeva, em conferência de imprensa.
Bolsonaro sabe o que representa o acordo acertado entre o Mercosul e a UE, classificando-o como “histórico” por trazer “enormes benefícios” para a economia do Brasil. Mas isso não impediu o seu ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de acusar os líderes europeus de quererem travar o Brasil por questões ideológicas. “Os europeus usam a questão do meio ambiente por duas razões: a primeira para confrontar os princípios capitalistas. Porque desde que caiu o muro de Berlim e desde que a União Soviética fracassou, umas das vertentes para qual a esquerda europeia migrou foi a questão do meio ambiente. E a outra coisa é para estabelecer barreiras ao crescimento e ao comércio do Brasil de bens e serviços”, explicou.
França e Irlanda sempre se opuseram ao tratado e não admira que tivessem aproveitado esta situação para tomar posições políticas mais agressivas para procurar travar o processo. O acordo UE/Mercosul ainda não está ratificado, até porque o texto ainda está nos acertos finais. Há quem defenda que este é um acordo misto, de competência da UE (comercial) e dos Estados-membros (políticos), pelo que teria de ter uma dupla ratificação pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais.
Mesmo que não vá aos parlamentos nacionais, o caminho dentro do próprio plenário europeu pode ainda ter de enfrentar obstáculos. Não só pela acção de franceses e irlandeses, como também pelo facto de as eleições europeias de Maio terem resultado num reforço do peso dos Verdes entre os eurodeputados.
Com Liliana Valente, Filipa Almeida Mendes e Pedro Rios