Para quando uma abordagem estratégica na gestão do estacionamento na via pública em Lisboa?
Sem uma abordagem estratégica da gestão do estacionamento na via pública (e fora dela), não será possível reduzir a dependência do uso de automóvel privado e os custos que ela impõe a toda a sociedade.
O problema do estacionamento não é apenas uma questão de mobilidade urbana, é acima de tudo uma questão de gestão do espaço público, que é um recurso limitado. Os municípios alocam uma grande parte do seu território para o estacionamento de automóveis privados na via pública. Oferecer estacionamento abundante e barato na via pública acarreta custos para a sociedade e quem paga este custo somos todos nós, tenhamos ou não carro. Todo o espaço público usado para estacionar veículos vazios durante horas ou dias é espaço que não é usado para habitação, comércio, espaços verdes ou de lazer. Além deste elevado custo de oportunidade, acresce que a oferta de estacionamento abundante e barato é um forte impulsionador da posse e uso de carro, gerando assim outros custos para a sociedade, entre os quais o congestionamento urbano, a sinistralidade rodoviária, a poluição do ar e a falta de espaços públicos de qualidade. Se o custo privado de andar de carro, que inclui necessariamente o estacionamento, for baixo e inferior ao custo para a sociedade haverá um incentivo à posse e uso excessivo do automóvel. Dados dos Censos e do último inquérito à mobilidade indicam que o número de viagens casa-trabalho realizadas de carro na Área Metropolitana de Lisboa aumentou de 2 para cerca de 6 em cada 10 viagens entre 1991 e 2017. Para reduzir o uso intensivo do automóvel é assim necessário refletir, ou internalizar na gíria de economista, o custo externo gerado para a sociedade no preço pago pelo motorista para usar o seu carro, incluindo obviamente o estacionamento na via pública.
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O problema do estacionamento não é apenas uma questão de mobilidade urbana, é acima de tudo uma questão de gestão do espaço público, que é um recurso limitado. Os municípios alocam uma grande parte do seu território para o estacionamento de automóveis privados na via pública. Oferecer estacionamento abundante e barato na via pública acarreta custos para a sociedade e quem paga este custo somos todos nós, tenhamos ou não carro. Todo o espaço público usado para estacionar veículos vazios durante horas ou dias é espaço que não é usado para habitação, comércio, espaços verdes ou de lazer. Além deste elevado custo de oportunidade, acresce que a oferta de estacionamento abundante e barato é um forte impulsionador da posse e uso de carro, gerando assim outros custos para a sociedade, entre os quais o congestionamento urbano, a sinistralidade rodoviária, a poluição do ar e a falta de espaços públicos de qualidade. Se o custo privado de andar de carro, que inclui necessariamente o estacionamento, for baixo e inferior ao custo para a sociedade haverá um incentivo à posse e uso excessivo do automóvel. Dados dos Censos e do último inquérito à mobilidade indicam que o número de viagens casa-trabalho realizadas de carro na Área Metropolitana de Lisboa aumentou de 2 para cerca de 6 em cada 10 viagens entre 1991 e 2017. Para reduzir o uso intensivo do automóvel é assim necessário refletir, ou internalizar na gíria de economista, o custo externo gerado para a sociedade no preço pago pelo motorista para usar o seu carro, incluindo obviamente o estacionamento na via pública.
Não obstante a complexidade do desafio que é a gestão da mobilidade urbana, a política de estacionamento é um poderoso instrumento ao serviço dos municípios. De uma forma resumida, podemos dizer que as políticas de estacionamento nas cidades europeias têm três fases. A primeira fase, conhecida pela lógica do “prever e prover”, consistiu na introdução de medidas de regulação do estacionamento na via pública de forma a facilitar o fluxo de circulação automóvel. As medidas consistiam na delimitação dos locais onde é permitido estacionar, quantos lugares devem ser oferecidos, e a duração máxima de estacionamento, ainda que sempre gratuito. O aumento da taxa de motorização e consequente desfasamento entre a procura e oferta de estacionamento levou à introdução, numa segunda fase, de tarifas, licenças de estacionamento para residentes e a oferta de parques de estacionamento fora da via pública. Não obstante o maior grau de gestão e controlo da oferta e procura de estacionamento, o paradigma manteve-se na essência o mesmo da primeira fase, focando-se ambos nas questões técnicas e operacionais da adequação da oferta à procura. A terceira fase distingue-se claramente das anteriores pela sua abordagem estratégica ao integrar a política de estacionamento num pacote de outras medidas de gestão da oferta e procura de transportes, bem como de planeamento urbano, a favor de um maior uso do transporte colectivo e redução do uso do automóvel. Para além do alargamento das zonas de estacionamento tarifado de duração limitada e o aumento do tarifário para residentes e empresas, promove-se também um uso mais flexível e eficiente dos parques de estacionamento privados existentes de forma a evitar a construção de novos parques de estacionamento público, e transfere-se a oferta de lugares de estacionamento na via pública para outros usos, nomeadamente para modos de transporte público e ativo como é o caso do metro ligeiro e da bicicleta, respectivamente.
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou no passado mês de Julho a proposta de alteração ao Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública (RGEPVP) através da Deliberação n.º 543/CM/2019, que está em consulta pública até 30 de Setembro. O regulamento em vigor foi aprovado pela CML em Dezembro de 2012 através da Deliberação n.º 864/CM/2012, publicada em Abril de 2014 no 1º suplemento do Boletim Municipal n.º 1050, e foi alterado em 2016 através da Deliberação n.º 247/AML/2016 publicada em Setembro de 2016 no 2º suplemento do Boletim Municipal n.º 1180. A CML tem implementado várias medidas de incentivo ao uso de modos de transporte mais sustentáveis, em particular através da expansão da rede de ciclovias e da rede de bicicletas partilhadas GIRA, a gradual reposição da oferta de transporte público, e a recente criação do novo tarifário municipal e metropolitano através do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART). O que tem faltado é implementar de forma mais holística medidas de desincentivo ao uso do automóvel privado, sendo o regulamento de estacionamento um instrumento poderoso para atingir este fim. No que respeita à atual proposta de alteração ao RGEPVP, as principais novidades a apontar são o agravamento do tarifário para lugares de estacionamento privativos na via pública e a criação de duas novas zonas tarifárias (castanha e preta), embora a sua localização não seja divulgada no documento. Mas estranhamente, e tal como no caso das três zonas tarifárias já existentes (verde, amarela, vermelha), a taxa de desincentivo incluída no preço reduz-se com o aumento da duração do tempo de estacionamento: ou seja, cada minuto adicional é mais barato que o minuto anterior! Não obstante estas agora cinco zonas tarifárias, em 2018 menos de 40% dos cerca de 200.000 lugares de estacionamento na via pública eram ordenados pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL). Ou seja, a maioria do estacionamento na via pública continua a ser gratuito e, como sabemos, estacionamento gratuito traduz-se em mais carros na cidade. No que respeita ao dístico de residente, nada de novo é proposto: mantém-se o tarifário que já vigorava anteriormente, incluindo a gratuitidade para o primeiro automóvel. Segundo os cálculos apresentados no regulamento ainda em vigor, e que neste aspecto não se altera, a taxa de subsidiação oferecida pela CML é de 100% para o primeiro carro e de 25% para o segundo carro.
Continuar a falar do estacionamento como um problema apenas de mobilidade é reduzir o real desafio a uma questão técnica e operacional, assente em larga medida na adequação da oferta à procura. Sem uma abordagem estratégica da gestão do estacionamento na via pública (e fora dela), bem integrada e alinhada com as restantes políticas de transporte e ordenamento do território, não será possível reduzir a dependência do uso de automóvel privado e os custos que ela impõe a toda a sociedade. Enquanto esta estratégia não acontece, continuaremos entretidos a falar dos novos serviços de mobilidade partilhada e de como estes putativamente irão resolver o problema dos transportes em Lisboa.