José Cid e o Grammy: “Estou a representar Portugal, não represento José Cid”
O segundo português a ser distinguido com um Grammy Latino de Carreira diz que outros músicos nacionais podiam ter sido nomeados. “Mas fui eu.” Carlos do Carmo já lhe telefonou para lhe dar os parabéns. “Hoje não passo muito na rádio e isso até é bom, obriga as pessoas a virem aos meus concertos”, diz ao PÚBLICO.
José Albano Salter Cid Ferreira Tavares tornou-se quinta-feira no segundo português a receber o Grammy Latino de Excelência Musical — o Lifetime Achievement Award. O autor de temas como Monstros Sagrados, do Quarteto 1111, ou Como o Macaco Gosta de Banana, tinha acabado de terminar uma chamada telefónica com Carlos do Carmo, o primeiro português a ser distinguido com este prémio da Latin Recording Academy (em 2014), quando falou com o PÚBLICO. Sabia há três meses da distinção. “Mas tenho andado ocupadíssimo, ainda tenho oito concertos até ao final de Agosto.” O autor do álbum de rock sinfónico 10.000 Anos Entre Vénus e Marte ou A Cabana Junto à Praia recebe o galardão ao lado de Joan Baez, cujo concerto de Março em Lisboa foi ver, ou Omara Portuondo.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
José Albano Salter Cid Ferreira Tavares tornou-se quinta-feira no segundo português a receber o Grammy Latino de Excelência Musical — o Lifetime Achievement Award. O autor de temas como Monstros Sagrados, do Quarteto 1111, ou Como o Macaco Gosta de Banana, tinha acabado de terminar uma chamada telefónica com Carlos do Carmo, o primeiro português a ser distinguido com este prémio da Latin Recording Academy (em 2014), quando falou com o PÚBLICO. Sabia há três meses da distinção. “Mas tenho andado ocupadíssimo, ainda tenho oito concertos até ao final de Agosto.” O autor do álbum de rock sinfónico 10.000 Anos Entre Vénus e Marte ou A Cabana Junto à Praia recebe o galardão ao lado de Joan Baez, cujo concerto de Março em Lisboa foi ver, ou Omara Portuondo.
Estava ao telefone com Carlos do Carmo, que recebeu o mesmo prémio em 2014. Sobre o que conversaram?
O Carlos está encantado, somos amigos de longa data e respeitamo-nos imenso. Brincamos muito um com o outro: ele diz sempre que eu sou maluco e eu respondo-lhe que ele é politicamente correcto e fartamo-nos de rir. [Salvador] Dali era maluco, Miguel Ângelo era maluco, há muitos génios que são malucos, mas ele é um génio politicamente correcto e coerente. Ele disse que eu não era coerente, e eu respondi: “Pois não, coerente era a minha avó”.
Sabia há três meses que ia receber o prémio. Na altura ficou surpreendido?
Fiquei a saber através de uma chamada directa de Miami e pensei que fosse para os Apanhados. Falei com um senhor que falava castelhano que disse que eu ia ser nomeado e que havia uma enorme probabilidade de vencer este prémio de consagração, de carreira e de excelência musical. Perguntei-lhe se ia ganhar sozinho e ele disse que, entre outros, ia ganhar juntamente com a Joan Baez, que tem origem latina.
É uma honra especial ser distinguido ao lado dela? É um fã?
Desde sempre. A minha geração é muito ligada à Joan Baez e ao Bob Dylan, apesar de eu ser mais Led Zeppelin. A Joan Baez agarrava numa guitarra, tal como eu agarro num piano, e estamos duas horas a cantar sem problemas, com a voz limpinha, como deve ser. Fui vê-la a Lisboa quando da última vez que ela esteve cá e ela continua com a voz igual à rapariguinha de 20 anos que esteve a tocar no Woodstock.
Numa altura em que as jovens bandas portuguesas estão a ir beber à sua música e que Jay-Z o samplou, como é que acha que chamou a atenção da Academia dos Grammys?
Em 1998 gravei um álbum em castelhano em honra à poesia Federico Garcia Lorca, Ode a Federico Garcia Lorca, e saiu no mercado espanhol. Depois a outro patamar musical, porque é tudo muito camaleónico com José Cid, o meu álbum [de rock sinfónico] 10.000 Anos depois entre Vénus e Marte, [faz com que] também se fale muito lá fora de José Cid dentro deste género musical. Mais recentemente, gravei um álbum muito rockeiro, o Menino Prodígio, considerado pela Sociedade Portuguesa de Autores como o melhor álbum do ano. No ano passado, com o 50.º aniversário do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band dos Beatles, gravei o álbum Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid, que sai numa pen. Portanto eles acabaram por me descobrir.
Também há um senhor no grupo de Miami [da Academia] que é brasileiro e é meu fã e acabou por me indicar como um dos potenciais candidatos. O jurado acabou por descobrir a minha obra e resolveram nomear-me.
Apresentou alguma espécie de candidatura à Academia?
Não fiz candidatura nenhuma, há quem faça mas eu não fiz. Normalmente, os candidatos deste tipo de prémios são das multinacionais que tem muitos contactos. Eu tenho a minha label, a Acid Records, onde trabalho sozinho com uma promotora e distribuidora. Não estou ligado a multinacionais.
O mais interessante é que o que está em causa é o pop-rock português. Temos artistas muito talentosos que também podiam ter sido nomeados como o Luís Represas, Rui Veloso, João Pedro Pais, Rui Reininho, o Paulo Gonzo, a Mafalda Veiga, que tem uma obra poética incrível, toda esta gente tem uma obra que podia ser nomeada — mas fui eu.
Tem uma carreira muito longa…
Nem sei bem quando é que começou, sei que comecei a fugir de casa e do colégio em 1957, os meus pais não me deixavam por isso tinha que fugir, depois levava deles (risos). E acabei por ter razão por fazê-lo.
Teve fases bastante diferentes na carreira — a Academia está a premiar tanto os períodos mais experimentais quanto os mais comerciais?
A minha carreira não pode ser considerada [toda] igual porque sempre fui muito camaleónico, vou desde o rock sinfónico até ao jazz, ao fado, à musica popular, como é o caso do meu próximo álbum, Fados, Fandangos, Malhões e uma Valsinha, que funciona como uma consagração do Grammy, e que está pronto a ser editado.
Como definiria a sua actual fase de carreira?
Eu estou bem. Cheio de trabalho e de concertos ao vivo do norte ao sul do país. Tem sido brutal, ninguém sai de lá em duas horas e meia. Sinto-me saudável aos 77 anos, sempre pratiquei muito desporto, apesar de não ser bom em nada, nunca fumei, não bebo, tenho uma mulher [a artista Gabriela Carrascalão] que me cozinha pratos com muitos legumes. Levo uma vida muito saudável que me permite levar uma boa vida.
Para além da entrega dos prémios vai ser feita mais alguma homenagem nos Grammys?
Para além da entrega do prémio, vamos ter de subir ao palco e fazer um discurso, primeiro vou discursar em inglês e depois quero agradecer em português. Estou a representar Portugal, não represento José Cid, represento todo um grupo de gente talentosíssima da minha e das novas gerações.
Se pudesse escolher uma música para interpretar na homenagem dos Grammys, qual seria?
Se tivesse que cantar nos Grammys sentava-me ao piano e cantava em castelhano a Ode a Garcia Lorca, ou A Minha Música. Posso cantar em qualquer palco do planeta sem qualquer tipo de complexos.
Quando tiver o seu Grammy vai reencenar a fotografia em que posa nu com o seu disco de ouro?
Agora não porque já estou com uma barriga maior. O meu disco de ouro chamou muito a atenção, mas por uma causa: as pessoas que fazem rádio não tinham a liberdade para escolher a música de que gostavam e tinham que passar a música que as multinacionais impunham. Hoje não passo muito na rádio e isso até é bom, obriga as pessoas a virem aos meus concertos.
Texto editado por Joana Amaral Cardoso