“Se queremos que a Amazónia fique para os nossos filhos, precisamos de protestar”
Desflorestação, alterações climáticas, incêndios e falta de investimento científicos são os grandes problemas que a Amazónia enfrenta.
O reservatório de dióxido de carbono do mundo – a Amazónia – está a passar por tempos difíceis. A região da floresta amazónica é a mais afectada pelos mais de 75 mil incêndios que já assolaram este ano o Brasil, o que é mais de 82% comparando com os do mesmo período do ano passado. Este é mais um problema que a Amazónia (muitas vezes silenciosamente) enfrenta e que vão desde a desflorestação, passando pelas alterações climáticas até à falta de investimento na ciência. Mais do que uma floresta espalhada pelo Brasil (na sua maioria), Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, é um importante ecossistema do planeta, o que nos deve obrigar a reflectir e a questionar: qual o futuro da maior floresta húmida do mundo? E quais as consequências da sua destruição para a humanidade e as gerações futuras?
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O reservatório de dióxido de carbono do mundo – a Amazónia – está a passar por tempos difíceis. A região da floresta amazónica é a mais afectada pelos mais de 75 mil incêndios que já assolaram este ano o Brasil, o que é mais de 82% comparando com os do mesmo período do ano passado. Este é mais um problema que a Amazónia (muitas vezes silenciosamente) enfrenta e que vão desde a desflorestação, passando pelas alterações climáticas até à falta de investimento na ciência. Mais do que uma floresta espalhada pelo Brasil (na sua maioria), Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, é um importante ecossistema do planeta, o que nos deve obrigar a reflectir e a questionar: qual o futuro da maior floresta húmida do mundo? E quais as consequências da sua destruição para a humanidade e as gerações futuras?
Os números ajudam a entender a importância da Amazónia: detém cerca de 10% de toda a biodiversidade do mundo, contribui anualmente para 20% de toda a água doce que entra nos oceanos e absorve cerca de 8% de todo o dióxido de carbono (CO2) que a humanidade emite para a atmosfera com a queima de combustíveis fósseis e desmatamentos.
“Além disso, é importante para a geração de chuva no Sul da América, não é só a Amazónia para ela mesma”, diz ao PÚBLICO David Lapola, investigador da Universidade Estadual de Campinas, no Brasil. O cientista é um dos autores de um estudo publicado recentemente na revista Nature Geosciences, em que se concluiu que a capacidade de absorção de CO2 da floresta amazónica é condicionada pela limitação de fósforo que existe no seu solo, o que significa que a capacidade da floresta absorver CO2 da atmosfera no futuro será menor do que estudos anteriores sugeriam.
Para verificar o que acontecia com o aumento de CO2 na atmosfera e chegar assim a esse resultado, a equipa internacional de cientistas usou modelos computacionais, em que, nalguns deles, considerou as limitações de nutrientes na floresta, como o fósforo. “Pelo menos 60% dos solos da Amazónia sofrem com limitação de fósforo, ou seja, têm pouco fósforo no solo”, refere David Lapola.
Se inicialmente se supunha que existiria um aumento da biomassa da floresta devido ao aumento CO2 – que é essencial para a fotossíntese –, o estudo mostrou que, quando se considera a limitação de fósforo no solo da floresta amazónica, a produtividade de biomassa desce, em média, 50%. Há estudos que indicam que a capacidade da Amazónia de absorver CO2 da atmosfera tem diminuído cerca de 30% entre os últimos 20 e 30 anos. “Se isso será por limitação de nutrientes, é uma hipótese.”
Por isso, o ideal seria confirmar os resultados obtidos em modelos computacionais através da experiência AmazonFACE. Este projecto, do qual David Lapola faz parte do comité científico, procura perceber como a floresta amazónica vai reagir às alterações climáticas, focando-se então no aumento de CO2 na atmosfera. Para isso, através de torres, pretende-se borrifar algumas partes da floresta com grandes volumes daquele gás para ver como as árvores reage.
Reconhecimento da ciência
“A comunidade científica já coloca esse experimento como um dos mais importantes desta área científica das mudanças climáticas”, diz David Lapola, assinalando que as primeiras conversas sobre este projecto começaram em 2011 e chegaram a fazer-se algumas medidas pré-experimentais. “De repente, no Brasil, ficámos no meio de uma crise política e económica e já há alguns anos que o Ministério da Ciência não coloca um centavo no projecto. A ideia está parada! Esse experimento nunca chegou a começar.” Por agora, apenas se está a iniciar uma outra experiência com câmaras que vão simular concentrações atmosféricas de CO2, colocadas em árvores jovens até três metros de altura. “Apesar de também ser um experimento inovador e importante cientificamente, ainda está longe de responder às perguntas que o experimento AmazonFACE responderia.”
David Lapola frisa mesmo o reconhecimento científico como factor-chave na resolução dos problemas na Amazónia: “Tem havido pouco investimento na ciência dos impactos das mudanças climáticas nesta região. Precisamos de reconhecer o papel da ciência como base do quebra-cabeças que é o uso sustentável da Amazónia.” No início desta semana, a revista Science também noticiava que em Setembro uma grande crise no financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil – agência que financia a ciência brasileira – poderá pôr em causa bolsas de mais de 80 mil estudantes e cientistas em início de carreira.
Além da falta de investimento na ciência e das alterações climáticas – que considera que estão a degradar silenciosamente a floresta –, David Lapola faz questão de mencionar o problema da desflorestação. Para isso, assinala que durante a década de 90 e até ao início do século XXI o desmatamento era à volta de 20 mil quilómetros quadrados por ano. Entre 2004 e 2012 diminuiu bastante, mas a partir daí tem existido uma tendência de aumento. Se nos últimos anos houve uma diminuição em cerca de sete mil a oito mil quilómetros quadrados por ano, em 2019 poderão mesmo ultrapassar-se os dez mil. “Preocupa-me a tendência de aumento dos últimos anos e de toda a política de conivência de desmatamento do actual governo.”
Por isso, sobre a causa dos incêndios actuais – que provocam perda de área florestal e de biodiversidade ou têm impacto na saúde pública – refere como uma hipótese provável “uma certa sensação de impunidade no ar em que o governo federal está incentivando esse tipo de acção e de projectos no Congresso Nacional que pretendem acabar com áreas protegidas dentro das fazendas” ou “a queda das actividades de fiscalização, embora o governo o negue”. Como hipótese mais improvável para a causa dos incêndios indica o clima mais seco deste ano, pois houve outros anos ainda mais secos e tal não aconteceu. “Mas ainda não houve estudos conclusivos”, nota.
“Se queremos que a Amazónia fique para os nossos filhos, precisamos de protestar”, alerta. “No passado, foram feitos estudos que mostram que se se matasse a Amazónia inteira, haveria consequências climáticas em regiões bem distantes, como na Índia. O sistema terrestre está todo interligado e dependente do que acontece na Amazónia.” E não deixa de fazer considerações sobre a suspensão das doações da Noruega e da Alemanha do Fundo Amazónia: “O nosso Presidente [Jair Bolsonaro] fala como se a Alemanha e a Noruega se quisessem apossar da Amazónia. É um delírio.”