A Amazónia arde e a culpa é nossa

O planeta atingiu o ponto em que é necessário atribuir culpas, lidar com consequências e parar de normalizar actos criminosos contra a natureza. Culpemo-nos, portanto, desta bola de neve que não derrete nem num cenário apocalíptico de aquecimento global.

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Rickey Rogers

Há climas onde a ocorrência de fogos é natural, mas não é por acaso que chamamos húmidas às florestas tropicais. No seu estado natural, estas florestas raramente ardem. Já tentaram acender a lareira com lenha molhada? Até aqui, não há espaço para discussão nem tentativa de normalização do absurdo. A pergunta que resta é simples: porque arde a Amazónia a este ritmo? A ignição somos invariavelmente nós — humanos.

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Há climas onde a ocorrência de fogos é natural, mas não é por acaso que chamamos húmidas às florestas tropicais. No seu estado natural, estas florestas raramente ardem. Já tentaram acender a lareira com lenha molhada? Até aqui, não há espaço para discussão nem tentativa de normalização do absurdo. A pergunta que resta é simples: porque arde a Amazónia a este ritmo? A ignição somos invariavelmente nós — humanos.

O alto número de incêndios que se registam de momento na Amazónia brasileira não é normal, e muito menos se deve exclusivamente à “época de queimadas por lá”. O planeta atingiu o ponto em que é necessário atribuir culpas, lidar com consequências e parar de normalizar actos criminosos contra a natureza. A Amazónia arde porque as secas são mais frequentes e mais severas. A Amazónia arde porque a desflorestação aumenta, trazendo com ela mais fontes de ignição, um maior “arco de desflorestação” e uma alteração do clima regional. A Amazónia arde porque tudo isto está a acontecer ao mesmo tempo, “aqui” e agora. As alterações climáticas são culpa nossa, a desflorestação é culpa nossa, a mão criminosa é humana.

A redução das emissões de carbono e da desflorestação é uma componente vital no combate às alterações climáticas. Entretanto, os humanos cortam, fragmentam e degradam áreas incomensuráveis de floresta que, por mero acaso, representa um dos maiores reservatórios de carbono e fonte de oxigénio a nível planetário. Quando mais se fala de emissões de carbono e perda de biodiversidade, em falta de tempo para voltar atrás, são eleitos políticos ambientalmente ignorantes, irresponsáveis e incompetentes. Culpemo-nos, portanto, desta bola de neve que não derrete nem num cenário apocalíptico de aquecimento global.

É o Brasil que está a arder e o Brasil está muito longe. A Catedral de Notre-Dame também está longe e ficámos todos comovidos com a perda de tal património. Fiquemos também comovidos com a perda do património natural, com as mortes humanas e não humanas que por lá acontecem a cada minuto e das quais ninguém fala. O problema não é só deles que não respiram, ardem e morrem: é de todos nós.

Por cá, em ano de eleições e enquanto podemos fazer alguma coisa, julgo que o mais importante será eleger políticos ambientalmente conscientes e capazes. No cenário climático que vivemos, com o escasso tempo que temos, é crucial que a responsabilidade ambiental parta do governo e que este a devolva à população que o elegeu. É urgente começar a traçar o caminho para uma economia circular e, para isso, é urgente que sejamos representados por um maior número de pessoas com formação na área do ambiente e que estas se sentem com os economistas, gestores, juristas e engenheiros que por norma governam o nosso país.

Estes “Neros” do século XXI não estão a incendiar Roma — estão a roubar-nos o ar. A atmosfera não tem fronteiras e todos respirámos o mesmo ar. A estes “Neros” que são eleitos por todo o mundo, e a quem os elege, peço apenas 20% da vossa vida em silêncio, sem respirar, como homenagem à Amazónia que agora morre. Amazónia essa que nos dá, gratuitamente, 20% do oxigénio que respirámos.