O labirinto de uma greve: os caminhos que ninguém devia ter seguido
O Governo atentou contra a lei da greve na mais grave violação de que há memória com uma requisição civil, militarizada. (...) A reação da UGT e CGTP constitui uma das páginas mais negras do movimento sindical.
Durante semanas, assistimos incrédulos a um conflito laboral, protagonizado por dois advogados imaturos, numa rixa de “galos” e egos, transformada numa litigância de má-fé. Algo nunca visto desde o 25 de Abril. Os dirigentes das partes em conflito ficaram escondidos, por incompetência ou cobardia.
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Durante semanas, assistimos incrédulos a um conflito laboral, protagonizado por dois advogados imaturos, numa rixa de “galos” e egos, transformada numa litigância de má-fé. Algo nunca visto desde o 25 de Abril. Os dirigentes das partes em conflito ficaram escondidos, por incompetência ou cobardia.
Não conheço nenhum dos dirigentes sindicais que tem estado na liderança desta luta, nem conhecia sequer, até à Páscoa, a existência destes novos sindicatos.
Sou um defensor acérrimo e fundador, do diálogo social em Portugal. A minha longa vida sindical sempre me ensinou que sem luta nada se consegue. Todas as conquistas, regalias e direitos só foram conseguidos com a mobilização e luta dos trabalhadores. Nenhum dos direitos conquistados e consagrados na Constituição e na lei nos foram outorgados sem a luta, muitas vezes heróica, dos trabalhadores.
O direito à greve foi antecedido de repressão, sangue e graves prejuízos para quem por ele sempre lutou. É um direito irrenunciável que, sendo mal exercitado, ou reprimido, coloca em causa a democracia e o Estado de direito. É a última arma a que os sindicatos devem recorrer, esgotados os mecanismos do diálogo e da negociação. Mas, usado no respeito pela legalidade, é um direito sagrado, insuscetível de ser desrespeitado, ou manipulado, numa verdadeira democracia.
Atendo-me ao conflito dos últimos dias, sou forçado a constatar que a declaração de uma greve por tempo indeterminado é quase uma temeridade, num quadro de fraqueza do movimento sindical, designadamente face à inexistência de fundos de greve que impeçam que os trabalhadores com salários miseráveis tenham de suportar dos seus bolsos os custos enormes, decorrentes do exercício dessa greve prolongada.
Mas a utilização dessa “bomba atómica”, por parte dos sindicatos, por mais que discordemos, é um direito legal que lhes assiste.
Aos governos compete tentar minorar os custos decorrentes de uma greve a que não estávamos habituados e preservar a sua total independência e imparcialidade em relação às partes em litígio, o que nem sempre pareceu.
Ora, da mesma maneira que, erradamente, os sindicatos quiseram tirar partido do momento pré-eleitoral que vivemos, o Governo aproveitou essa oportunidade que lhe foi oferecida para pôr em movimento uma gigantesca operação de marketing eleitoral.
Com as debilidades estratégicas com que os sindicatos partiram para esta luta, o Governo delas se aproveitou, para voltar a opinião pública contra a greve e os seus proponentes.
Se Costa obtiver uma maioria absoluta, ficará com uma enorme dívida de gratidão para com Pardal Henriques e para com o Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas.
O Governo “socialista”, astuto, sacrificou a ética das convicções à ética da “responsabilidade” e aproveitou todos os erros praticados pelos sindicatos para usar uma estratégia musculada, não olhou a meios para atingir fins, chegando ao cúmulo de atentar contra a lei da greve com a definição de serviços mínimos (máximos), que em alguns sectores chegaram aos 100%, na mais grave violação da lei da greve de que há memória. Com uma requisição civil militarizada.
Se fosse um governo da direita a exercer tamanha violência, qual não seria a reação enérgica e violenta do PS e do seu líder contra a violação de um direito sagrado dos trabalhadores?
Mas António Costa, apavorado com a hipótese de repetição do clamoroso falhanço governamental na greve anterior, preparou-se não para uma greve, mas para uma guerra contra ela.
A reação das centrais sindicais, (UGT e CGTP), primeiro pelo silêncio, e depois com uma reação timorata, constitui uma das páginas mais negras do movimento sindical. Ao permitirem, de uma forma negligente e cúmplice, a violação do direito à greve, a UGT e a CGTP perderam toda a moral e legitimidade, quando violações desta natureza se repetirem.
O Governo, que funcionou primeiro como “pirómano”, para de seguida aparecer como “bombeiro”, apareceu pela voz tonitruante do ministro Pedro Nuno Santos a anunciar, de forma sucessiva, a celebração de dois acordos históricos.
Não ponho em causa que da primeira negociação resultaram benefícios efetivos para os trabalhadores, muitos dos quais integrando o caderno reivindicativo dos sindicatos em luta.
Mas que ninguém tenha dúvidas ou ilusões: os dois acordos só foram possíveis, quer no timing, quer nos conteúdos graças à luta, mesmo que errada e oportunista, de Pardal Henriques e do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas. Sem ela, a Antram continuaria com as suas manobras dilatórias e não se teria chegado aos valores remuneratórios, ao controlo efetivo do trabalho extraordinário abusivo e dos demais direitos conseguidos. E a perceção da opinião pública em relação aos motoristas continuaria a ser de vilões, o que com esta luta passou a ser entendido como vítimas de formas de exploração e até de escravatura, inaceitáveis no século XXI.
Nos “labirintos” desta greve todos seguiram caminhos errados.