Governo estava enganado: a “novela” não terminou

Antram disse que não aceita mediação com resultados impostos à partida. Sindicato promete novas formas de luta porque patrões não quiseram pagar mais 50 euros. Ministro chegou a dizer que “a novela terminou”. Estava enganado.

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“Vamos dar seguimento ao que foi deixado, muito claro, pelos motoristas em plenário”, disse Pardal Henriques Nuno Ferreira Santos

A Antram não aceitou ir para um processo de mediação com resultados que diz estarem impostos à partida. O sindicato de matérias perigosas afirma que desconvocou a greve porque quer negociar, mas não abdica de garantir que os 800 motoristas de matérias perigosas ganhem mais 50 euros no subsídio de operações no final do mês, e que todo o trabalho suplementar que tinham de fazer seja efectivamente remunerado. Resultado: uns e outros não se sentaram sequer à mesma mesa, e, menos de 48 depois de ter sido desconvocada uma greve, os motoristas de matérias perigosas preparam-se para convocar outra, agora às horas extraordinárias. “Vamos dar seguimento ao que foi deixado, muito claro, pelos motoristas em plenário”, disse Pardal Henriques. “O objectivo é dar condições dignas a estes motoristas e não estamos preocupados em agradar aos portugueses”, limitou-se a comentar o porta-voz do sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).

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A Antram não aceitou ir para um processo de mediação com resultados que diz estarem impostos à partida. O sindicato de matérias perigosas afirma que desconvocou a greve porque quer negociar, mas não abdica de garantir que os 800 motoristas de matérias perigosas ganhem mais 50 euros no subsídio de operações no final do mês, e que todo o trabalho suplementar que tinham de fazer seja efectivamente remunerado. Resultado: uns e outros não se sentaram sequer à mesma mesa, e, menos de 48 depois de ter sido desconvocada uma greve, os motoristas de matérias perigosas preparam-se para convocar outra, agora às horas extraordinárias. “Vamos dar seguimento ao que foi deixado, muito claro, pelos motoristas em plenário”, disse Pardal Henriques. “O objectivo é dar condições dignas a estes motoristas e não estamos preocupados em agradar aos portugueses”, limitou-se a comentar o porta-voz do sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).

Havia expectativas de que hoje o processo ficasse finalmente no caminho do acordo. Até o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, o deixou escapar, quando à entrada de um elevador, no meio de reuniões, atirou para os jornalistas que “a novela estava a acabar”. Afinal, enganou-se. Ao princípio da noite, disse que tentou de tudo, mas não conseguiu convencer as partes a ir “para um processo de mediação livre de pré-condições”. Em resumo: o país pode ter de enfrentar a segunda parte desta guerra. Pedro Nuno Santos disse que não queria fazer juízos de valor, mas que há intransigências que não consegue perceber, até porque outros dois sindicatos (a Fectrans e o SIMM- Sindicato independente dos Motoristas de mercadorias) já tinham conseguido resultados na negociação.

Pedro Nuno Santos achava que a novela ia acabar porque, durante a manhã, convenceu a Antram a ir para o processo de mediação sem condições pré-definidas. André Matias de Almeida confirmou que a Antram tinha definido como objecto de mediação uma base de discussão muito ampla, onde cabiam praticamente todas as cláusulas. “Não podemos aceitar ir para um processo de mediação quando os resultados dessa mediação estão impostos à partida”, disse, no entanto, André Matias de Almeida.

O porta-voz da Antram recusa a acusação deixada por Pardal Henriques - que a associação só aceitava ir até aos limites do acordo fechado com os outros dois sindicatos. “Mas nós achamos que o que foi assinado com a Antram e imposto ao SIMM não ressalva os direitos destes trabalhadores”, explicou o porta-voz do SNMMP. E recorda que o sindicato já fez muitas cedências. E que no plenário dos motoristas do passado domingo deixou muito claro quais as exigências que iriam pôr em cima da mesa.

Antes da entrada na reunião, Bruno Fialho, que assessorou o sindicato, explicou ao PÚBLICO que tinha boas expectativas para o encontro, depois do muito trabalho que já haviam feito na reunião anterior – o tal encontro de dez horas, que terminou sem conclusões, mas permitiu desatar vários nós. E confirmou que as duas bandeiras que agora eram esgrimidas pelo SNMMP passavam pela reformulação da Cláusula 61 – “que queremos deixar escrita”, avisou – e num reforço no subsídio de operações que a Antram já se comprometeu em Maio a pagar aos motoristas que fazem cargas e descargas de combustíveis e matérias perigosas. O que foi assinado com a Fectrans, no dia 14 de Agosto, e aceite pelo Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM) no dia seguinte, é que, a partir de 2020, estes motoristas recebam 125 euros por mês. O SNMMP quer reforçar este subsídio em 40%, até aos 175 euros.

Bruno Fialho ouviu, como o resto do país, as respostas da Antram que, logo no dia em que se soube dessa proposta, clamou que esse esforço adicional poderia significar o encerramento de algumas empresas. O representante do SNPVAC recorda que o Governo também pode ter um papel importante, quer na fiscalização do cumprimento dos contratos de trabalho, como na definição da carga fiscal que impõe aos trabalhadores e patrões.

Os ziguezagues nas exigências do sindicato

À entrada para a reunião, a posição oficial do SNMMP pretendia que os salários deixassem “de ser pagos às escondidas”. E esta posição era, afinal, o culminar de um processo recheado de ziguezagues e de volte-faces, com Pardal Henriques e Francisco São Bento, líder da organização, a irem mudando de reivindicações. A luta pelos 1200 euros de salário base que exigiam quando o país ouviu pela primeira vez falar destes motoristas, em Abril, passou para a reivindicação de 900 euros, arrancando com 700 euros em 2020 e acrescentando mais cem euros nos dois anos seguintes. Os associados da Antram não aceitaram este calendário e o protocolo negocial confirmava apenas os 700 euros em 2020 e que, nos anos seguintes, a progressão salarial iria ficar indexada ao crescimento do salário mínimo.

É aqui que o sindicato liderado por Pardal Henriques convoca um congresso e marca uma greve. Uma semana antes da greve, o sindicato faz outra proposta: em vez de 900 euros em 2022 e 1000 euros em 2025, o salário deveria crescer 50 euros a cada ano. Na véspera do arranque da greve, e à saída do plenário que a legitimou, a reivindicação já era oura: 900 euros de salário base, a pagar em 2020. Cinco dias de greve depois, também essa reivindicação caiu. O salário base, a partir de 2020, é de 700 euros, e a partir daí há indexação dos aumentos à taxa de actualização do salário mínimo nacional

Mas o Sindicato das Matérias Perigosas não aceita ficar com o que foi concedido aos outros dois sindicatos – a Fectrans, que assinou um acordo na quarta, e o SIMM, que assinou o mesmo acordo no dia seguinte. Se as reivindicações relativamente ao salário base caíram, o SNMMP queria deixar a sua marca no subsídio de operações e na redacção da chamada cláusula 61. E não queria sair do Ministério sem dizer que conseguiu algo concreto para os motoristas de matérias perigosas.

A confirmar-se o acréscimo de 50 euros no subsídio de operações, Jorge Cordeiro, do SIMM, diz ao PÚBLICO que a vitória do SNMMP será dizer que os motoristas de matérias perigosas vão conseguir ganhar mais do que um motorista de carga geral que faça o mercado internacional. “Ou seja, um motorista de matérias perigosas, que pode ir dormir a casa todos os dias, porque trabalha no mercado nacional, ganhará mais do que um motorista de carga geral, que faz o mercado internacional e passa semanas sem vir a casa. E recordo que há motoristas de mercadorias que também transportam cargas perigosas. Não há cargas perigosas apenas em cisternas”, recordou Jorge Cordeiro.