Matteo contra Matteo, o grande duelo político italiano
O ex-primeiro-ministro Matteo Renzi emergiu desta crise política italiana como o estadista responsável que traz uma proposta altruísta para travar o irresponsável populista Matteo Salvini.
Mais de dois anos depois de ter jogado a cartada do referendo constitucional e perder, vendo-se obrigado a demitir-se do cargo de primeiro-ministro de Itália e a abrir caminho para as forças populistas alcançarem o poder, Matteo Renzi está de volta. E com um golpe de asa digno dos melhores momentos políticos.
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Mais de dois anos depois de ter jogado a cartada do referendo constitucional e perder, vendo-se obrigado a demitir-se do cargo de primeiro-ministro de Itália e a abrir caminho para as forças populistas alcançarem o poder, Matteo Renzi está de volta. E com um golpe de asa digno dos melhores momentos políticos.
O antigo líder do Partido Democrático (PD) emergiu da sua relativa subalternidade de senador italiano (mesmo que ainda com peso parlamentar) para propor um governo de coligação entre o Movimento 5 Estrelas (M5S) e o PD – algo que antes recusara – para impedir a Itália de cair nas mãos de Matteo Salvini.
“Um novo governo não é um golpe de Estado”, afirmou Renzi, esta terça-feira no Senado, sobre a sua proposta de juntar o M5S e o PD numa frente comum que trave a extrema-direita de chegar ao poder, salientando que o perigo está em ter eleições antecipadas no Outono, esse é que será “um golpe de calor”, uma verdadeira insolação para os italianos.
“O governo populista falhou, o populismo funciona bem em campanha eleitoral, um bocadinho menos quando se trata de governar”, acrescentou o senador, para quem o actual executivo do M5S e da Liga “criou um clima de ódio” no país.
No debate no Senado, de onde Salvini saiu com as orelhas a arder por fazer cair o governo por causa de uma moção de desconfiança ao fim de apenas 14 meses no poder, Renzi fortaleceu a sua figura de defensor da democracia italiana, sublinhando o altruísmo da sua proposta política e descartando qualquer ambição de entrar no novo elenco governativo, caso se concretize a coligação entre o M5S e o PD.
“Parece-me sensato que nenhum de nós esteja no governo; eu não estarei. Nenhum de nós quer um cargo, mesmo o de comissário”, disse Renzi à Radio 24. “Este debate é político: o Governo populista falhou. Durante 14 meses disseram-nos que eram a esperança e que iriam revolucionar a Itália. Disseram que nos iriam governar durante 30 anos com esta oposição, em vez disso, não chegaram sequer aos 30 meses”, referiu o ex-primeiro-ministro.
Desafiante, Renzi pegou no discurso de Salvini, sobre o medo que o M5S e o PD têm de irem a eleições, de serem julgados pelo povo, e lançou o repto em jeito de duelo: é só escolher o sítio, Matteo contra Matteo. “Faço um apelo a Salvini. Que escolha o círculo eleitoral, para mim tanto faz, Milão ou Florença. Não tenho medo de enfrentá-lo.”
Ao Salvini populista, utilizador de símbolos religiosos nos seus discursos políticos, não respeitando o Estado laico consagrado na Constituição italiana – tal como referiu o primeiro-ministro demissionário Giuseppe Conte no seu discurso –, contrapôs Renzi uma postura de Estado, de defensor das instituições. Ao Matteo beijador de rosários – Salvini desafiou a crítica de Conte, ao seu lado, beijando ostensivamente o seu terço –, respondeu o Matteo com um discurso de responsabilidade.
“Seria fácil assistir ao espectáculo sorrindo, mas a situação impõe um excedente de responsabilidade”, afirmou Renzi. Eco das palavras de estadista que vem repetindo desde que Salvini desatou esta crise política pela ambição de chegar a primeiro-ministro numa altura em que as sondagens colocam a Liga na frente da corrida com grande vantagem.
Ainda este sábado, em entrevista ao britânico Observer, esse mantra laico da responsabilidade política soava assim: “Para o meu consenso e avaliação pessoal seria melhor manter-me em silêncio”, mas “Salvini tem de ser travado e é importante transmitir uma mensagem forte: existe uma alternativa”. E foi essa mensagem que deixou aos senadores e ao país que seguia em directo o debate no Senado italiano: “Para mim, primeiro vêm as instituições e a seguir o interesse nacional.”.
Aos 44 anos, o homem que em 2014 foi escolhido pela Fortune como a terceira pessoa mais influente do mundo com menos de 40 anos e que a Foreign Policy não hesitou em incluir na sua lista dos 100 maiores pensadores do mundo recuperou o seu élan político, apanhando desprevenido Salvini que, provavelmente, se imaginava já no sendeiro para ser entronizado como presidente do conselho. Resta saber se os italianos acabam com um governo M5S/PD ou com eleições no Outono para ver quem ganha o combate. Para já só se sabe que Renzi se voltou a erguer e com estrondo.