Boris Johnson visita Merkel e Macron sem abertura para negociar acordo do “Brexit”

Primeiro-ministro britânico escreveu carta a propor reformular o mecanismo que evita a fronteira na Irlanda, antes de partir para Paris e Berlim. E anunciou que funcionários e governantes deixam de participar na maior parte das reuniões em Bruxelas, para se centrarem no futuro do país depois de 31 de Outubro.

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Boris Johnson lançou uma proposta SIMON DAWSON/EPA

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, enviou uma carta ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, dizendo que o Reino Unido pode sair da União Europeia com um acordo, se for reformulado o ponto sobre o backstop, um mecanismo que pretende impedir a existência de uma fronteira física entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. 

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O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, enviou uma carta ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, dizendo que o Reino Unido pode sair da União Europeia com um acordo, se for reformulado o ponto sobre o backstop, um mecanismo que pretende impedir a existência de uma fronteira física entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. 

Johnson diz que a solução encontrada por Bruxelas e pela sua antecessora, Theresa May, não é democrática nem viável e arrisca pôr em causa o processo de paz da Irlanda do Norte.

Donald Tusk respondeu no Twitter, embora não mencionasse directamente a carta do primeiro-ministro britânico: “O backstop é um seguro para evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda a não ser, e até, que se encontre uma alternativa.” “Quem é contra o backstop e não está a propor alternativas está, na verdade, a apoiar o restabelecimento de uma fronteira – mesmo que não o admita.”

Num jogo de deitar culpas ao outro lado, um porta-voz de Downing Street, citado pelo Politics Home, foi contundente na resposta a Tusk, também não mencionado: “Estamos profundamente comprometidos com a paz, a prosperidade e a segurança da Irlanda do Norte e sempre fomos e seremos claros em como nunca instalaremos infra-estruturas, controlos ou postos na fronteira.”

A porta-voz da Comissão Europeia Natasha Bertaud disse, pelo seu lado, que “a carta não dá uma solução legal e operacional para impedir o regresso de uma fronteira física na ilha da Irlanda”.

Após estas reacções, o primeiro-ministro britânico repetiu que, se não houver renegociação, “não há qualquer perspectiva de haver um acordo” antes da saída do Reino Unido da UE.

Merkel abre pequena porta

Johnson faz esta tentativa em vésperas de se encontrar com a chanceler alemã, Angela Merkel, em Berlim, na quarta-feira, e com o Presidente francês, Emmanuel Macron, na quinta. Nesta terça-feira, Merkel reagiu à proposta de Johnson ao dizer que a UE está disponível para encontrar uma solução para a questão do backstop, mas não para mexer no acordo de saída. “No momento em que tivermos uma solução prática para preservar o Acordo de Sexta-feira Santa e ao mesmo tempo definir as fronteiras internas da UE, deixamos de precisar do backstop”, disse a chanceler. Acrescentou que não será preciso reabrir o acordo de saída, apenas de alterar a declaração política sobre a futura relação.

Na agenda de Boris Johnson está garantir que o “Brexit” se concretiza a 31 de Outubro, a nova data estabelecida por Londres e Bruxelas. Nesse sentido, o Governo anunciou esta terça-feira que quase todos os contactos diplomáticos com a UE vão terminar a 1 de Setembro, para a equipa se centrar no futuro do Reino Unido fora da estrutura comunitária. Funcionários e governantes irão participar apenas em reuniões estratégicas para o Reino Unido e o primeiro-ministro continuará a ir aos conselhos.

O backstop é uma cláusula de garantia, imposta por Bruxelas, para evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, no pós-“Brexit”, qualquer que seja o acordo futuro entre a União Europeia e o Reino Unido: se não for encontrada nenhuma outra solução para evitar a fronteira, o backstop quer dizer que, em último recurso, o Reino Unido (ou a Irlanda do Norte) se manteria numa união aduaneira com a UE – uma solução que os eurocépticos dizem que poderá manter o país “preso indefinidamente” às regras europeias.

A União Europeia sempre rejeitou adiar o problema da fronteira para a fase de discussão da relação futura entre Londres e Bruxelas, temendo que pudesse não ser resolvido sem uma fronteira física.

O que Johnson sugeriu foi eliminar a cláusula do backstop e substituí-la por um “acordo legalmente vinculativo”, prevendo que não será construída qualquer infra-estrutura de fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte e que não haverá verificações fronteiriças, uma promessa a fazer tanto pela União Europeia como pelo Reino Unido.

Na carta, Johnson argumenta que deste modo o acordo pode ser aprovado na Câmara dos Comuns.

Sublinhando a proposta do primeiro-ministro, o presidente do Partido Conservador, James Cleverly, deu uma entrevista esta terça-feira. “A decisão sobre se saímos com ou sem acordo está nas mãos da União Europeia”, argumentou. “Vamos sair no dia 31 de Outubro aconteça o que acontecer”, disse Cleverly, acrescentando que, se for retirada a cláusula do backstop, a saída pode fazer-se com acordo.

O correspondente da BBC em Bruxelas, Adam Fleming, diz que, apesar de Bruxelas mostrar uma frente unida, em privado há divisões entre os responsáveis europeus: “Em privado, estão divididos em três campos: os que acham que a proposta ultrapassa as ‘linhas vermelhas’ da União Europeia, os que pensam que é um truque e não uma proposta genuína, e os que acreditam que dá uma possibilidade para quebrar o impasse do ‘Brexit’.”

Liberdade de circulação acaba a 31 de Outubro

Na segunda-feira, Johnson também anunciou que a liberdade de circulação de cidadãos da União Europeia “vai acabar” a 31 de Outubro, caso haja uma saída sem acordo – um endurecimento da posição do Reino Unido, que mesmo em caso de “Brexit” sem acordo não tinha dado uma data.

Mesmo assim, uma porta-voz esclareceu que nada disto se aplica aos cidadãos europeus já a viver no Reino Unido. Quem já viva no Reino Unido até 31 de Outubro terá até Dezembro de 2020 para se candidatar a estatuto de residente permanente, indicou a porta-voz, segundo o site Politico. Com o Governo de Theresa May, o previsto era que residentes que chegassem ao Reino Unido ainda em 2020 fossem abrangidos por este estatuto.

No plano internacional, Johnson falou com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre um futuro acordo rápido entre os dois países. Mas o senador democrata Chuck Schumer enviou uma carta ao secretário de Estado, Mike Pompeo, avisando-o de que vai trabalhar com congressistas democratas e republicanos para “bloquear qualquer acordo que ponha em causa o Acordo de Sexta-feira Santa”, ou seja, que ponham a hipótese de uma fronteira.