Locarno dá o Leopardo de Ouro a Pedro Costa e o prémio de melhor actriz à sua Vitalina Varela
Prémio máximo do palmarés desta edição foi para o cineasta português, que ali já tinha conquistado o prémio de melhor realização em 2014, com Cavalo Dinheiro.
E o Leopardo de Ouro, prémio máximo do Festival de Locarno 2019, vai para… Vitalina Varela, de Pedro Costa, com a própria Vitalina a receber o Leopardo de melhor actriz. Para o realizador português, em declarações divulgadas pela organização do festival, o Leopardo de Ouro significa que “tudo é possível, mesmo para um tipo velho (...) que fez um filme pequeno sem dinheiro”. “É uma grande honra, e espero que possa abrir portas para o filme ser visto em mais sítios do mundo,” completou.
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E o Leopardo de Ouro, prémio máximo do Festival de Locarno 2019, vai para… Vitalina Varela, de Pedro Costa, com a própria Vitalina a receber o Leopardo de melhor actriz. Para o realizador português, em declarações divulgadas pela organização do festival, o Leopardo de Ouro significa que “tudo é possível, mesmo para um tipo velho (...) que fez um filme pequeno sem dinheiro”. “É uma grande honra, e espero que possa abrir portas para o filme ser visto em mais sítios do mundo,” completou.
Raras vezes um júri terá estado de tal maneira entrosado com o burburinho das ruas de Locarno e das redes sociais: Vitalina Varela tornou-se no favorito dos observadores logo após a sua projecção para a imprensa na quarta-feira, com muitos dos críticos presentes a considerarem-no “o filme” do certame. Com esta distinção, o novo filme de Pedro Costa, que teve em Locarno a sua estreia mundial, torna-se também no primeiro filme português a receber o prémio máximo de uma competição principal de um festival de classe A desde O Bobo, de José Álvaro Morais, Leopardo de Ouro em 1987. O festival suíço tem, aliás, trazido sorte ao realizador português, que já vencera o Leopardo de Melhor Realização em 2014 por Cavalo Dinheiro, o Prémio Especial do Júri em 2007 pelo filme colectivo Memories, e uma menção especial em 2000 por No Quarto da Vanda.
Mas a aclamação de Vitalina Varela não ficou por aqui: Vitalina, ela própria, figura central de um filme inspirado na sua vida, recebeu o Leopardo para a Melhor Interpretação Feminina, depois de na sexta-feira ter já vencido um prémio paralelo, o Boccalino d’Oro, entregue por um grupo de jornalistas presentes no festival. O Leopardo de Melhor Actriz, combinado com o Leopardo de Ouro, sugere que o júri presidido por Catherine Breillat premiou o yin e o yang do filme, o criador e a criatura (mas qual deles, Costa ou Vitalina, é o criador, e qual a criatura?). Segundo Costa, em declarações a Mauro Donzelli, da organização, “este filme pertence a Vitalina”: “Ela é uma força da natureza, do passado e do presente e também do nosso futuro.”
Também num depoimento ao festival, Vitalina confessou-se “muito feliz por vencer este prémio”: “Digo-o do mais fundo do meu coração. É um testemunho do amor com que rodámos este filme e do amor que recebemos aqui no festival.”
Curiosamente, confirma-se uma “dobradinha” de actores não-profissionais nos prémios de representação desta 72.ª edição do festival. O Leopardo para a Melhor Interpretação Masculina coube a Regis Myrupu, o índio desana que tem de escolher entre o seu mundo nativo e a cidade brasileira em A Febre, da brasileira Maya Da-Rin. Myrupu também nunca tinha entrado antes num filme, embora tivesse estado envolvido em grupos de preservação cultural.
O Leopardo de realização ficou nas mãos do francês Damien Manivel, pelo delicado Les Enfants d’Isadora, sobre o modo como a arte pode transcender e atravessar vidas muito diferentes, inspirado pela história verídica da bailarina Isadora Duncan. O filme francês era também um dos favoritos dos observadores – e Manivel tem também uma “história” com Locarno, onde o seu filme de 2014 Un Jeune Poète recebeu uma menção especial na secção Cineastas do Presente.
O Prémio Especial do Júri foi este ano para um filme que, exibido já no finzinho do festival, estava de fora das bolsas de apostas – Pa-Go (Height of the Wave), do sul-coreano Park Jung-bum, um quase-thriller sobre uma jovem órfã numa ilha remota. Houve ainda menções especiais para Hiruk-Pikuk Si Al-Kisah (The Science of Fictions), do indonésio Yosep Anggi Noen, e Maternal, primeira ficção da documentarista italiana Maura Delpero. Presidido por Catherine Breillat, o júri do Concurso Internacional incluiu ainda a realizadora Valeska Grisebach, a produtora Ilse Hughan, o crítico Emiliano Morreale e o actor Nahuel Pérez Biscayart.
Um palmarés inclusivo
Por premiar ficaram filmes que os observadores tinham apontado como alguns dos melhores do festival – casos do alemão Das Freiwillige Jahr ou do galego Longa Noite, que se tornou um dos favoritos dos críticos apesar da sua exibição tardia. Também os restantes filmes portugueses exibidos ficaram de fora do palmarés – tanto Technoboss, de João Nicolau, como O Fim do Mundo, de Basil da Cunha, regressam sem prémios, apesar de uma menção especial para Technoboss por parte de um dos júris de estudantes. Ambos foram porém bastante notados, tal como Prazer, Camaradas!, de José Filipe Costa (que, fora de concurso, teve até direito a projecções adicionais), ou como o novo filme da dupla Maya Kosa/Sérgio da Costa, L’Île aux Oiseaux, que recebeu críticas muito positivas e foi considerado uma das melhores propostas apresentadas pela paralela Cineastas do Presente.
Nesta competição secundária, destinada a primeiras e segundas obras, o Leopardo de Ouro foi para o filme do senegalês Mamadou Dia, Baamum Nafi (Nafi’s Father), tragédia familiar à volta de um casamento e do confronto entre dois irmãos, um fundamentalista religioso e um imã moderado. Baamum Nafi recebeu igualmente o prémio de Melhor Primeira Obra, atribuído por um júri distinto. O argelino Hassen Ferhani recebeu o prémio de melhor realizador pelo documentário 143 Rue du Désert, e a comédia autobiográfica de Ivana Mladenovic Ivana Cea Groaznica (Ivana the Terrible) teve o Prémio Especial do Júri.
Numa edição que ficou marcada pela retrospectiva de cem anos de cinema negro Black Light, as escolhas dos vários júris acabam por convergir numa mesma celebração – do outro, da multiplicidade de experiências, de vidas, de olhares. Desde a experiência emigrante de Vitalina, que conta a sua própria história no filme de Pedro Costa, à cidadezinha senegalesa de Baamum Nafi, passando pelo choque cultural entre os índios e a cultura ocidental de A Febre ou pela ideia da arte como experiência universal em Les Enfants d’Isadora, tudo no palmarés de Locarno 2019 responde ao mundo em que vivemos; abre-se à diferença e à multiculturalidade, recusa muros, fronteiras, paredes.
É um palmarés inclusivo, o que é também representativo do papel de “ponta-de-lança” que o festival suíço tem vindo a assumir ao longo dos últimos anos, como defensor ardente de um cinema de autor mais próximo das populações e mais distante dos ditames do mainstream americano. Também por isso foi uma surpresa ver fora do palmarés The Last Black Man in San Francisco, vencedor de Sundance e filme que respondia também a esse papel, mas é verdade que nos últimos anos Locarno não tem tido por hábito premiar cineastas americanos, apesar de continuar a apoiá-los e a mostrá-los.
Mas, para todos os efeitos, 2019 vai ficar como o ano de Pedro Costa, o ano em que, pela primeira vez no século XXI, uma cinematografia respeitada e aclamada em todo o mundo (menos no seu próprio país) como a portuguesa recebe um prémio máximo num festival de primeira categoria.
A 72.ª edição de Locarno encerra oficialmente esta noite com a estreia de To the Ends of the Earth, do japonês Kiyoshi Kurosawa; a 73ª edição terá lugar de 5 a 15 de Agosto de 2020.