A última fronteira
A eleição de um médico angolano como director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical é uma oportunidade de finalmente alargar a sua acção a África.
Uma longa vida ao serviço da medicina universitária portuguesa ensinou-me que se devem celebrar, em nome do futuro, os bons momentos, mesmo que demorem muito a acontecer. Quando, em 1983, iniciei funções como diretor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), estava muito longe de pensar que viria a ter o privilégio de manifestar o meu grande regozijo pela eleição do Professor Filomeno Fortes, médico universitário angolano, para esse mesmo lugar, 36 anos depois.
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Uma longa vida ao serviço da medicina universitária portuguesa ensinou-me que se devem celebrar, em nome do futuro, os bons momentos, mesmo que demorem muito a acontecer. Quando, em 1983, iniciei funções como diretor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), estava muito longe de pensar que viria a ter o privilégio de manifestar o meu grande regozijo pela eleição do Professor Filomeno Fortes, médico universitário angolano, para esse mesmo lugar, 36 anos depois.
Em 1980, o IHMT era uma instituição frágil. A presidência da sua comissão de gestão foi entregue ao professor Nuno Cordeiro Ferreira, cujos prestígio e paciência conciliadora possibilitaram grandes mudanças. Coube-me começar a executá-las, como diretor responsável pela integração do IHMT na Universidade Nova de Lisboa. Não estava sozinho e devo aqui lembrar, entre outras pessoas, o papel da professora Wanda Canas Ferreira, que exerceu as funções de subdiretora.
Se o retomar das relações no espaço europeu e global foi relativamente fácil, quer com a Organização Mundial da Saúde (OMS), quer com algumas escolas de medicina tropical europeias, o mesmo não aconteceu com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPS). O IHMT não estava esquecido, mas não era lembrado quando surgiam problemas de saúde em África. A única área que se manteve inalterada foi a clínica das doenças tropicais, fruto da escola iniciada pelo professor Cruz Ferreira e continuada pelo Dr. José Luís Champalimaud. A missão era ciclópica e nada teria sido possível sem o apoio do professor Francisco Cambournac, personalidade única, médico de saúde pública, especialista em malária, e diretor-fundador do escritório africano da OMS, em Brazzaville. Foi graças ao seu prestígio que se abriram muitas portas facilitadoras do retomar das missões do IHMT em África, praticamente inexistentes desde 1974. Foi também iniciada uma colaboração formal com o Ministério da Saúde de Portugal, através do então Departamento de Estudos e Planeamento da Saúde, dirigido pelo Dr. Luís Magão, que se revelou muito útil na concretização dessas missões.
Deixei o IHMT em 1986 e só retomei o fio desta meada como reitor da Universidade Nova de Lisboa, entre 2007 e 2017. Vinte e um anos depois, encontrei uma instituição que necessitava de se afirmar cientificamente, mas que já tinha retomado o seu prestigiado papel na medicina tropical, nacional e internacional. Um reconhecimento conseguido, com excelência, graças ao mérito científico do IHMT.
São três as lições a tirar deste processo: 1. O IHMT tinha em si próprio a capacidade de renascer institucionalmente, no final do século XX e início do século XXI, respeitando a memória do seu passado (a mudança foi feita de dentro para fora); 2. A Universidade Nova de Lisboa liderou este processo, dando ao IHMT a autonomia científica e pedagógica necessária para essa modernização (internacionalização e multidisciplinaridade); 3. A liderança institucional, apoiada em figuras de reconhecido mérito e em alianças estratégicas, nacionais e internacionais, foi essencial para superar crises internas e abrir novos caminhos.
A confiança expressa agora pelo Conselho do IHMT na eleição do professor Filomeno Fortes não se esgota, seguramente, no voto. Deve consistir num apoio sustentado para quebrar esta última fronteira, nunca transposta em Portugal, simbolizada pela entrega do destino do IHMT a um médico universitário angolano, cidadão de um mundo onde Portugal e os PALOPS têm um papel importante a desempenhar, se souberem trabalhar, em grupo e com partilha de recursos, a favor da saúde das populações que neles confiam.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico