Blythe Pepino: “Não ter filhos é uma declaração política, uma questão de vida ou morte”

Para conter um “iminente desastre ecológico”, Blythe Pepino criou o movimento BirthStrike em 2018. “Se sentes que mudaste ou que mudarias as tuas escolhas parentais por causa da emergência climática, podes juntar-te a nós”, diz a britânica, em entrevista ao P3.

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Mike Abrahams/Getty Images

“Soa a loucura, até a mim me soa a loucura”, começa por dizer Blythe Pepino ao P3, numa conversa via Skype. E não se refere à decisão de não ter filhos e de ter lançado, em 2018, o movimento BirthStrike: são já 600 homens e mulheres que se lhe juntaram e decidiram não ter filhos até que sejam tomadas medidas governamentais, a nível global, para conter aquilo a que chamam “iminente desastre ecológico”. Para esta britânica de 33 anos, loucura é aquilo que o planeta vai enfrentar nas próximas décadas, consequência da crise climática. “A maior parte das pessoas não percebe que estamos quase a ficar sem tempo, se é que não o esgotámos já. Queria encontrar uma forma de passar esta mensagem”, diz ao P3. “É uma questão de vida ou de morte.”

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“Soa a loucura, até a mim me soa a loucura”, começa por dizer Blythe Pepino ao P3, numa conversa via Skype. E não se refere à decisão de não ter filhos e de ter lançado, em 2018, o movimento BirthStrike: são já 600 homens e mulheres que se lhe juntaram e decidiram não ter filhos até que sejam tomadas medidas governamentais, a nível global, para conter aquilo a que chamam “iminente desastre ecológico”. Para esta britânica de 33 anos, loucura é aquilo que o planeta vai enfrentar nas próximas décadas, consequência da crise climática. “A maior parte das pessoas não percebe que estamos quase a ficar sem tempo, se é que não o esgotámos já. Queria encontrar uma forma de passar esta mensagem”, diz ao P3. “É uma questão de vida ou de morte.”

Blythe tornou-se uma activista pelo clima em 2018, quando se juntou ao movimento Extinction Rebellion. Participou nos protestos em Londres, foi presa quatro vezes. Criou o BirthStrike para conseguir mais atenção para a emergência climática junto de sectores conservadores de direita. É sobretudo nos media e nas redes sociais que foca a sua acção. Agora, sente que a discussão está a tomar dimensões “lamentáveis”. No final de Julho, o príncipe Harry disse, numa entrevista à revista Vogue (em conjunto com a primatóloga e activista britânica Jane Goodall), que teria, no máximo, dois filhos. “Deveríamos ser capazes de deixar algo melhor para a próxima geração”, explicou.

Blythe Pepino ouve cada vez mais comparações entre o BirthStrike e os movimentos que defendem o controlo demográfico como forma de reduzir o impacto da acção humana na destruição dos recursos naturais do planeta. Está frustrada. “Não, não concordamos com qualquer medida de controlo demográfico”, reitera. Um estudo de 2017 concluía que não ter um filho equivalia a uma redução de 58 toneladas de dióxido de carbono (CO2) para cada ano de vida dos pais. No entanto, um outro estudo, publicado nesse mesmo ano, explorou vários cenários para a mudança global da população humana, ajustando as taxas de fertilidade e mortalidade. Conclui-se que mesmo a imposição de políticas de filho único em todo o mundo não reduziria significativamente a população global até 2100. E propunha “políticas e tecnologias que reverteriam o aumento do consumo de recursos naturais”. Para Blythe, o problema não está no número de pessoas, mas naquilo que elas fazem. “Muitas pessoas não querem que isso aconteça e concentram-se no controlo demográfico porque assim não têm de desafiar o seu estilo de vida.”

Quando, numa recente entrevista com Jane Goodall à revista Vogue, o príncipe Harry deu a entender que só teria, no máximo, dois filhos devido à crise climática que o planeta atravessa, o BirthStrike ficou fortalecido? 

Só me apercebi das declarações do príncipe Harry quando uma jornalista me ligou na manhã seguinte a pedir um comentário. A discussão está a tomar dimensões lamentáveis. O problema com a discussão que nasceu do comentário do príncipe Harry é que as pessoas se centraram no controlo da natalidade. A parte boa é que nos fez falar da crise climática, mas também nos distraiu do essencial, as alterações climáticas. As crianças não libertam emissões [de CO2]. O problema é aquilo que compramos para elas, a forma como as alimentamos, o sistema em que vivemos e que nos obriga a ter altos níveis de consumo. Esse é o problema. Centrar a discussão no controlo populacional é desresponsabilizar o nosso estilo de vida. Eu vou ter de mudar o meu estilo de vida, quero que isso aconteça. Mas há muitas pessoas que não querem e centram-se no controlo demográfico porque, assim, não têm de desafiar o seu estilo de vida.

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Activistas pelo clima durante um protesto do movimento Extinction Rebellion, em Londres, em Abril último. Peter Nicholls/Reuters

Qual era o objectivo da fundação do BirthStrike?

Quando o BirthStrike começou, queríamos fazer exactamente aquilo que conseguimos: levar a crise climática para a ala conservadora de direita, onde não se falava sobre o tema. Mas gostavam de falar sobre as escolhas reprodutivas das mulheres. Isso foi uma vitória. Agora que há mais pessoas a falar sobre isso, também há muita gente a procurar centrar-se na questão do controlo populacional. Porque isso é mais fácil do que falar da mudança do sistema. Aquilo que o príncipe Harry disse mostrou-me a grande responsabilidade que tenho em mãos. As pessoas estão constantemente a tentar pegar no BirthStrike e a transformá-lo num movimento sobre controlo demográfico. Temos uma declaração online a explicar o que defendemos, mas as pessoas não lêem. É um trabalho constante. E dou por mim a pensar: acabo com isto porque não somos uma sociedade madura o suficiente para ter este debate, ou uso este movimento como arma para combater o racismo e o fascismo?

Recentemente, em Portugal, um movimento intitulado The Great Decrease colocou um cartaz na rua com a frase “Celebrem as baixas taxas de natalidade”. Fariam uma acção desse género?

Não conheço essa organização. Nunca colocaríamos um cartaz desses. Recusamo-nos a julgar quem tem filhos. Dizemos, na nossa declaração, que não concordamos com qualquer medida de controlo da população. No Twitter explicamos em pormenor por que é que o debate centrado na questão demográfica é, em primeiro lugar, completamente infrutífero — é tarde de mais para conseguir algum resultado através dessa redução — e, segundo, não é eticamente aceitável porque o nosso mundo é cada vez mais desigual. A nossa riqueza é desigual, a forma como nós influenciamos as emissões de carbono é desigual. Por isso digo que esse foco não é ético e penso que, muitas das vezes, é impulsionado pelo racismo. O BirthSrike não tem nada a ver com isso, é dizer: “Acordem!” Há imensas pessoas que têm imenso medo de ter filhos, vergonha de ter filhos. Elas estão demasiado zangadas com os outros seres humanos para ter filhos. Estamos muito desiludidas porque os Governos não estão a reagir suficientemente rápido. É uma mensagem para os governos, é uma mensagem para as outras pessoas. Esta situação é de vida ou de morte. Não temos mais tempo para não resolver este problema. Vai ser preciso uma mudança dramática, mas não em termos de população.

O que motiva quem adere ao movimento BirthStrike? Medo, desespero, ansiedade em relação ao impacto das alterações climáticas?

Eu diria que é ansiedade, mas essa ansiedade vem também com uma grande coragem para fazer essa mudança acontecer. Já cerca de 600 pessoas assinaram. Todos os que assinam estão a fazer uma declaração política. É uma declaração política global sobre não ter filhos, o que, num mundo pró-natalidade, é uma tomada de posição bastante vulnerável. Penso que é a coragem que as move e essa coragem é impulsionada pelo seu desespero. Somos uma contradição porque a maior parte de nós gostaria de ter filhos, mas ou temos receio de o fazer ou sentimos uma urgência em sermos activistas e fazer algo diferente com a nossa energia.

A maior parte das pessoas que se juntaram ao movimento são do Reino Unido?

De todo o mundo. Temos pessoas da América, da América Latina, da Índia, Alemanha, Holanda, Espanha, Itália. De todo o mundo. Até da Austrália. Eu não pergunto às pessoas de que país são, mas às vezes elas escrevem no testemunho que nos deixam.

No teu caso, a decisão de não ter filhos é motivada pelo impacto que um filho possa trazer ao planeta, em termos de pegada carbónica, ou o medo do que ele possa ter de enfrentar em termos de segurança?

É mais sobre a segurança, mas há pessoas que estão preocupadas com o impacto (pegada carbónica) que os filhos teriam. Para mim, é mais a segurança, porque fiz muita pesquisa. Sei que, se tivermos um estilo de vida sustentável, o impacto não tem, necessariamente, de ser assim tão grande. Percebo o argumento psicologicamente, mas, realisticamente, é possível evitar essa questão se quisermos mesmo um filho. Eu nunca cito as emissões de CO2 e a pegada de carbono como a minha razão para não ter filhos.

Quais os problemas que mais te preocupam?

Acho que vamos assistir a uma grave insegurança alimentar, sistemas climáticos severos, secas… Não me iria surpreender se, nas próximas décadas, houvesse escassez de alimentos, violência e uma viragem em direcção ao fascismo. Eu tenho uma sobrinha de nove anos, tenho crianças na minha vida e estou a lutar por elas. Se tiver um bebé agora, não posso ser activista, não posso ser presa ou tentar impedir que a indústria dos combustíveis fósseis se expanda. Isso também pesou na minha decisão.

Tens uma carreira na música, és compositora e vocalista no grupo Mesadorm. Alguma vez pensaste em ser activista pelo clima?

Não. É como no Matrix: tomas o comprimido azul e tudo muda.

E continuas a tua actividade na música?

Sim, pela minha sanidade. Às vezes escrevo sobre estes problemas também, mas é um escape, pela minha sanidade.

Qual foi o gatilho para essa mudança de vida?

Estava a ler o livro da Naomi Klein, No. It’s not Enough, quando um rapaz, que entretanto se tornou meu amigo, apareceu no meu grupo coral para recrutar pessoas para o [movimento] Extinction Rebellion. Viu o que eu estava a ler, sentou-se e disse-me: “As coisas são muito piores do que tu pensas.” Eu já era crítica do sistema, mas não neste tema especificamente. Fui a uma sessão dos Extinction Rebellion e a minha cabeça literalmente explodiu com tanta informação e compreensão dos problemas ambientais e sociais que estavam em causa. Cheguei a casa e quis ter a certeza que não estava a ser doutrinada por um culto [risos]. Li muito e foi o momento da verdade. Passei três ou quatro meses muito desesperada, fiz o luto por ter perdido a fé nas autoridades, foi como perder os pais, não tinha mais confiança no sistema. Depois passas por raiva, descrédito. Ser activista pareceu-me a única maneira de canalizar a minha preocupação com a crise climática. E decidi lançar o BirthStrike. Perguntava a outras mulheres: “Como é que vocês se sentem em relação a isto? Vocês têm a minha idade... Como é que se sentem sobre ter filhos quando tudo parece tão instável?” E muitas outras pessoas, mulheres e homens, na verdade, tinham medo de falar porque parecia um tabu. Tornou-se claro que nós só tínhamos a ganhar ao sermos completamente inclusivos: pessoas transexuais, homens, mulheres, quem quer que seja. Se sentes que mudaste ou que mudarias as tuas escolhas parentais por causa da emergência climática, podes juntar-te a nós.

E o que aprendeste com esse processo de luto?

O que aprendi é que não perdes motivação para seres uma boa pessoa. Toda a gente quer sê-lo. Depois dos lutos — do que queria para a minha carreira na música pop, do que queria para a minha família —, ainda tinha a minha moralidade e vontade de ser boa pessoa. Deixar o mundo um local melhor.

Como reagiram o teu companheiro e a tua família à decisão de não teres filhos?

O meu companheiro ficou muito preocupado… Acho que ele não entendeu a gravidade da crise climática. Se não lês diariamente estudos científicos sobre o que está a acontecer, é muito difícil ter uma visão clara do quão rapidamente as coisas podem correr mal. Tive de lhe explicar o porquê de tomar uma decisão tão extrema. Ele não pensou que eu estava louca, mas talvez paranóica. Um parte dele pensou certamente: “Agora ela foi demasiado longe”. E a minha mãe também. Mas confiam em mim, fizeram a sua própria pesquisa e perceberam que o que eu dizia era até bastante sensato, embora parecesse louco.

Sentes-te julgada? As pessoas acham que enlouqueceste?

Sim. Quer dizer, por parte de pessoas que não têm informação sobre o que está a acontecer, por exemplo. Mas não os culpo. Soa a loucura, até a mim me soa a loucura. E depois claro que há o lóbi dos negacionistas do clima. Durante anos foram desenvolvidos think tanks para se infiltrarem nos media com notícias que desvalorizam as alterações climáticas e fazem com que pessoas como eu soem a loucas. Posso culpar os meus amigos por estarem susceptíveis a essa influência? Não, na verdade. A maior parte das pessoas não percebe que nós estamos quase a ficar sem tempo, se é que não o esgotámos já. Eu queria encontrar uma forma de passar esta mensagem, é uma questão de vida ou de morte.

Que mudanças fizeste no teu estilo de vida desde que te tornaste activista?

Tornei-me vegan, mas já estava a meio caminho porque condenava a crueldade animal da indústria. Mas ocasionalmente como umas sandes de atum, quando estou stressada [risos]. Não pretendo ser perfeita. Deixei de viajar de avião em Janeiro. Mas fi-lo muito, antes. Tenho uma carrinha a gasóleo, mas estou a pensar vendê-la, até porque vivo em Londres. Não compro nada de que não preciso. Reutilizo e reciclo. Mas, na verdade, é o activismo que me tem impedido de ir viver para um quinta e viver da terra. Porque se fizesse isso agora estaria a ignorar a responsabilidade e posição privilegiada que tenho para mudar as coisas. Talvez faça isso daqui a uns anos.