Projecto de Trump deixará sem casa famílias de imigrantes ilegais

O Governo norte-americano está a promover uma mudança radical na forma como acolhe os imigrantes. Os mais pobres ficarão de fora, sem acesso a benefícios sociais, como a habitação. Tudo para tentar afastar os que são considerados como um peso.

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Protesto junto a um centro de detenção de imigrantes em Adelanto, California Lucy Nicholson/REUTERS

Cari Torres tem 37 anos e vive em Los Angeles. Ela não tem documentos que provem que é cidadã norte-americana, mas o seu filho já nasceu nos Estados Unidos. Se for para a frente uma das novas regras que a Administração norte-americana quer impor para dificultar a entrada e a permanência nos EUA de imigrantes em situação ilegal, em breve ficará sem casa, ela e o seu filho.

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Cari Torres tem 37 anos e vive em Los Angeles. Ela não tem documentos que provem que é cidadã norte-americana, mas o seu filho já nasceu nos Estados Unidos. Se for para a frente uma das novas regras que a Administração norte-americana quer impor para dificultar a entrada e a permanência nos EUA de imigrantes em situação ilegal, em breve ficará sem casa, ela e o seu filho.

O novo regulamento forçará dezenas de milhares de famílias a escolher entre separarem-se ou tornarem-se sem-abrigo juntos. A ideia é negar alojamento em habitação dos serviços públicos a famílias de “estatuto misto”, ou seja, aquelas em que pelo menos um dos membros seja um imigrante sem documentos dos EUA.

“Se o novo regulamento for para a frente, ficaremos sem abrigo, eu e o meu filho”, disse Cari Torres. Os preços de arrendamento de casas em Los Angeles são muito altos, é raro encontrar uma habitação a preço acessível. Provavelmente terá de ficar com amigos. “Não sei, nem consigo imaginar como será.” Muitas outras pessoas que conhece ficarão numa situação parecida com a sua, e estão “com medo do que poderá acontecer”, conta.

Virar o sistema do avesso

No início desta semana, a Administração Trump anunciou que, a partir de 15 de Outubro, pretende tornar mais difícil até a imigrantes em situação legal que se tornem cidadãos dos EUA, ou que tenham permissão de residência, se usarem apoios sociais, como apoio à habitação – a ideia é eliminar os mais pobres, os que podem ter custos para o Estado Federal. Várias cidades e 13 estados norte-americanos abriram processos contra o Governo federal para tentar bloquear esta medida, que alguns especialistas calculam que possa reduzir a imigração a metade. 

Se precisarem de apoio alimentar, apoio à habitação ou cuidados de saúde, os imigrantes, mesmo que preencham as condições necessárias para terem vistos para permanecer nos EUA ficarão excluídos à partida, ao abrigo da nova legislação. “A mensagem da Administração Trump é clara: se for rico, é bem-vindo. Se for pobre, não é”, disse o attorney general do estado de Washington Bob Ferguson, numa declaração escrita. “Esta regra é anti-americana, anti-imigrantes, e vai contra a lei.”

“É apenas mais uma forma de caluniar os imigrantes”, disse por sua vez o advogado do município de São Francisco Dennis Herrera. O processo contra a Administração Trump diz que está a ser feita “uma alteração radical da lei federal de imigração, transformando um sistema que promove a mobilidade económica dos imigrantes para um sistema que dá vantagens aos imigrantes ricos.” 

O Presidente Donald Trump fez da redução da imigração ilegal um tema chave da sua presidência, e tem tornado claro que continuará a ser a pedra de toque da sua recandidatura, em 2020. 

Criar sem-abrigo

Em Maio, quando o secretário da Habitação, Ben Carson, apresentou pela primeira vez a mudança de regulamentos, classificou-a como uma medida necessária para reduzir os longos tempos de espera na atribuição de apoios à habitação. Mas os investigadores na área e activistas pelo direito à habitação dizem que esta ideia não terá esse efeito. Pelo contrário, conduzirá a um maior número de pessoas sem-abrigo.

Uma análise do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA concluiu que a mudança afectará mais de 108 mil pessoas. Este número inclui 55 mil crianças, muitas delas cidadãs americanas que têm um progenitor que é imigrante ilegal, completa o Council of Large Public Housing Authorities, uma organização sem fins lucrativos que se dedica a lutar pela habitação a preços acessíveis.

Los Angeles, onde vive Cari Torres, é uma das muitas cidades norte-americanas que enfrenta uma crise habitacional grave. Só no último ano a taxa de sem-abrigo aumentou 16%, de acordo com números do Governo divulgados em Junho. “Há mais de 50 mil pessoas neste condado que não têm tecto, e vamos acrescentar mais 20% a esse número com esta política”, afirmou Bill Przylucki, da People Organized for Westside Renewal, um grupo comunitário para o desenvolvimento de Los Angeles.

Não é que os EUA subsidiassem a habitação de imigrantes ilegais até agora. Os apoios eram distribuídos de acordo com o número de pessoas qualificáveis numa família. Mas a mudança do regulamento acabará com este sistema de distribuição dos apoios. Toda a unidade familiar passará a ser inelegível se um único membro não tiver documentos.

O secretário da Habitação de Trump, no entanto, considera que o processo que vigorou até agora “dá assistência a pessoas que estão no país ilegalmente”.

Durante o período de consulta pública de dois meses, houve 30 mil respostas – o que Bill Przylucki considera um número muito elevado, para um regulamento de habitação. E 90% dos comentários – que estão disponíveis publicamente – foram negativos.