Às vezes acho que a Vanessa não é minha amiga
Há muitos anos, a Vanessa furtou-me com destreza um candidato a namorado com quem depois, aliás, casou. Éramos novas, ela vivia com o primeiro marido, o Júlio, pai do Bernardo – e eu estava sozinha.
A pior coisa que se pode fazer a uma amiga é empadilhar um namorado, ou candidato a namorado, de outra. Até este momento, desconhecia a palavra empadilhar, mas não queria usar o clássico “roubar” e fui ao Priberam para me ajudar a procurar sinónimos. Ora, o Priberam diz que empadilhar é “furtar com destreza” – é adequado ao assunto.
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A pior coisa que se pode fazer a uma amiga é empadilhar um namorado, ou candidato a namorado, de outra. Até este momento, desconhecia a palavra empadilhar, mas não queria usar o clássico “roubar” e fui ao Priberam para me ajudar a procurar sinónimos. Ora, o Priberam diz que empadilhar é “furtar com destreza” – é adequado ao assunto.
Há muitos anos, a Vanessa furtou-me com destreza um candidato a namorado com quem depois, aliás, casou. Éramos novas, ela vivia com o primeiro marido, o Júlio, pai do Bernardo – e eu estava sozinha.
Convidei o João para sair porque ele era giro, mesmo muito giro, sem ser um acabado de imbecil. A Vanessa ligou-me para o trabalho nesse dia muito em baixo, muito cansada, “a exaustão que era tratar do bebé e aturar o Júlio nem tu imaginas”, e eu – feita burra – convidei-a para sair connosco.
Bebemos um bocado – na realidade, muito – e quando demos por nós estávamos numa discoteca de música africana muito popular nesses tempos. Eu estava com uma cerveja na mão e, de repente, vi a Vanessa a dançar com o meu candidato a namorado e depois a dar-lhe um beijo na boca.
Deixei cair a cerveja, a garrafa partiu-se em bocadinhos, foi uma trabalheira para o pessoal tratar daquilo.
Achei indecente, humilhante, essas coisas todas. Acho que passei uns meses sem lhe falar, nem telefonar para casa – a não existência de telemóveis era uma bênção que nos dias de hoje ninguém entende mas eu sinto saudades. Passou-se algum tempo até ao dia em que ela me convocou, de uma maneira solene, para um café. Era para anunciar que os dois iam casar e queriam que eu fosse a madrinha. (Eu só atendi o telefone fixo porque ela ligou 40 vezes seguidas). Tinha-se separado do Júlio, que era um chato, e o casamento seria daí a seis meses.
Eu quase morri. A Vanessa não me tinha empadilhado um namorado – o João era apenas um gajo giro, com quem, eventualmente, e não havia qualquer certeza disso, eu podia ter, e vou outra vez repetir o eventualmente, namorado. Teria que lidar com aquela treta de uma maneira racional. Ou seja: aceitar ser madrinha, ir fazer figura de parva, sorrir artificialmente. Dar abraços daqueles que, por não serem autênticos, descaem, como os passou-bem das pessoas de mão mole. Levei com tudo como se fosse uma heroína de Jane Austen (sempre com o bom senso de Elinor, aniquilando a sensibilidade de Marianne). Mas se esta coisa me tivesse passado eu não a estaria a escrever aqui. Não passou. Às vezes, a Vanessa irrita-me. De vez em quando penso que ela não é exactamente minha amiga - acho que, tantos anos depois, era bem capaz de repetir uma cena parecida com a do João. Neste momento em que ela vai a caminho de Viana do Castelo, estou cheia de sentimentos confusos.