Como funciona a requisição civil?
As sanções para quem não respeitar a requisição civil são iguais para os trabalhadores do sector público e do sector privado. Mas processos disciplinares não fazem parte da lista. A intervenção das forças armadas não é consensual.
Os trabalhadores que não respeitem a requisição civil incorrem em que sanções?
Quando é decretada a requisição civil, os trabalhadores em greve são obrigados a regressar ao trabalho porque a sua aplicação “tem carácter unilateral, não dependendo de consentimento”, explica ao PÚBLICO o advogado Victor Ventura, do Departamento de Direito Laboral da sociedade Cuatrecasas. O mesmo especialista refere que existem dois grandes tipos de sanções para quem violar a requisição. Uma de natureza civil: podem incorrer em responsabilidade civil pelos danos que vierem a causar” pelo facto de não terem assegurado as funções que lhes foram afectas. E outra de natureza penal: quem violar a requisição civil “pode incorrer no crime de desobediência”, que pode ser punido com pena de prisão até um ano.
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Os trabalhadores que não respeitem a requisição civil incorrem em que sanções?
Quando é decretada a requisição civil, os trabalhadores em greve são obrigados a regressar ao trabalho porque a sua aplicação “tem carácter unilateral, não dependendo de consentimento”, explica ao PÚBLICO o advogado Victor Ventura, do Departamento de Direito Laboral da sociedade Cuatrecasas. O mesmo especialista refere que existem dois grandes tipos de sanções para quem violar a requisição. Uma de natureza civil: podem incorrer em responsabilidade civil pelos danos que vierem a causar” pelo facto de não terem assegurado as funções que lhes foram afectas. E outra de natureza penal: quem violar a requisição civil “pode incorrer no crime de desobediência”, que pode ser punido com pena de prisão até um ano.
Estas sanções podem ser aplicadas a todas as pessoas que desrespeitem a requisição civil, independentemente de serem do sector público ou do sector privado, precisa Vítor Ventura.
E os trabalhadores nesta situação podem ser alvo também de sanções disciplinares, mesmo que sejam do sector privado?
“Esse é o ponto mais duvidoso”, mesmo que a resposta à partida pudesse ser aparentemente afirmativa, responde o mesmo especialista. O problema que se levanta aqui, adianta, é que a requisição civil “representa uma relação entre o Estado e o trabalhador” e quando é desrespeitada isso não significa que tenha havido uma violação dos “deveres laborais” do trabalhador para com a sua entidade empregadora.
E por isso, tecnicamente, os empregadores não podem instaurar procedimentos disciplinares já que o que está em causa não é uma violação dos deveres laborais, mas sim daqueles que decorrem da requisição civil. Isto tanto é válido para os trabalhadores do sector privado, como para os funcionários públicos.
Não existe também a possibilidade de serem instaurados processos-crime por abandono do emprego no caso de os trabalhadores não obedecerem?
A advogada Sandra Silveira, também especialista em Direito Laboral, esclarece que no Código Penal está previsto um crime de abandono de funções, mas que este se aplica apenas aos funcionários públicos. Na situação de requisição civil, nos casos em que esta é violada, as infracções que se aplicam são a responsabilidade civil e o crime de desobediência, como referido atrás.
A substituição de camionistas em greve por elementos das Forças Armadas ou da GNR também se enquadra no âmbito da requisição civil?
Esta possibilidade está expressamente prevista no Decreto-Lei n.º 637/1974, que define os princípios a que deve obedecer a requisição civil. Mas também aqui pode haver um problema. Há quem defenda que, perante o art.º n.º 275 da Constituição da República, “é necessária a declaração do estado de emergência ou do estado de sítio" para que seja possível o emprego das Forças Armadas. “Uma declaração de crise energética, como a que já foi feita pelo Governo, não preenche esses requisitos”, frisa Victor Ventura.
Por norma, a Constituição sobrepõe-se às outras leis, só que pode existir outra interpretação para a questão aqui equacionada, adianta ainda este advogado. Como neste caso, a Constituição remete para as leis em vigor, o Governo poderá considerar que não é preciso a declaração do estado de emergência uma vez que a possibilidade de as Forças Armadas intervirem está prevista no diploma de 1974, que regulamenta a requisição civil. Foi a opção que tomou nesta segunda-feira.
Quando é que se pode recorrer à requisição civil?
O diploma de 1974, que define os princípios a que deve obedecer a requisição civil, prevê que, em circunstâncias particularmente graves e com carácter excepcional, o Governo possa recorrer à requisição civil para assegurar o regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público, como o da prestação de cuidados hospitalares, transportes, serviço de portos ou carga e descarga de mercadorias, entre outros. E especifica que esta “só tem justificação em casos excepcionalmente graves”. É um instrumento que pode ser usado se houver "necessidade de assegurar o regular funcionamento de certas actividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou contínua acarretaria perturbações graves da vida social, económica e até política em parte do território, num sector da vida nacional ou numa fracção da população”.
Também o Código do Trabalho prevê a possibilidade de recorrer à requisição quando, durante uma greve, os serviços mínimos não sejam cumpridos. Foi o que segundo o Governo aconteceu com a última greve dos enfermeiros, em Fevereiro. E também agora com a dos camionistas.
Quem autoriza a requisição civil?
O Conselho de Ministros através de uma resolução. É também necessária a publicação de uma portaria dos ministros que tutelam os sectores envolvidos, que deverá precisar o seu objecto e a sua duração, bem como o regime de prestação de trabalho dos requisitados. Quando a requisição implica a intervenção das forças armadas, efectiva-se também por portaria do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, referendada pelo ministro da Defesa Nacional.
Quem pode ser requisitado?
Todas as pessoas com mais de 18 anos. Mas a atribuição do trabalho terá em consideração, quando possível, as respectivas profissões, aptidões físicas e intelectuais, a idade, o sexo e a situação familiar. O diploma em vigor determina que a decisão de requisição será comunicada aos interessados através dos meios de comunicação social, produzindo efeitos imediatos, podendo, nos casos individuais, ser transmitida através de documento escrito autenticado pelos ministros interessados ou pela entidade em que tenham delegado
Os trabalhadores requisitados são pagos?
Terão direito ao vencimento ou salário decorrente do respectivo contrato de trabalho ou categoria profissional, e a usufruir os direitos e regalias correspondentes ao exercício do seu cargo que não sejam incompatíveis com a situação de requisitados.
Quando foi usada?
A última vez foi já este ano, em Fevereiro, quando o Governo decretou a requisição civil devido à greve cirúrgica de enfermeiros. O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal recorreu ao Supremo Tribunal Administrativo com o objectivo de suspender a requisição civil, mas esta pretensão foi recusada pela justiça. Já foi usada diversas outras vezes para travar greves em empresas de transportes, como CP ou TAP. Entre 1976 e 2014 os governos decretaram 30 requisições civis, segundo uma dissertação de mestrado de Maria João Carvalho Lopes apresentada na Universidade Católica. A maioria envolveu a área dos transportes.