O estudante de engenharia, o empresário e os outros 110 voluntários que lhe dizem onde pode abastecer
Sempre que há uma crise, a equipa da rede VOST Portugal entra em acção para garantir que os portugueses têm acesso à informação mais recente nas redes sociais. Com a greve dos motoristas, o foco vai para a página Já Não Dá para Abastecer que diz aos portugueses onde podem encher o depósito.
Este fim-de-semana, Miguel Santos, 20 anos, dividiu o tempo entre o voluntariado na Cruz Vermelha e a missão de ajudar os portugueses a perceber onde é que podem encher o depósito do carro. O estudante de Coimbra é um dos responsáveis pelo site Já Não Dá para Abastecer e um dos 112 membros activos da VOST Portugal (acrónimo de Virtual Operations Support Team), um grupo de voluntários digitais que surgiu em 2018 para recolher e transmitir informação sobre o incêndio de Monchique (o maior daquele ano na Europa). Hoje, o colectivo inclui psicólogos, meteorologistas, engenheiros civis, carteiros, estudantes, bombeiros, profissionais do INEM e muitos programadores de norte a sul do país. São mais conhecidos pela conta @VOSTPT, no Twitter, onde já têm mais de 13 mil seguidores.
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Este fim-de-semana, Miguel Santos, 20 anos, dividiu o tempo entre o voluntariado na Cruz Vermelha e a missão de ajudar os portugueses a perceber onde é que podem encher o depósito do carro. O estudante de Coimbra é um dos responsáveis pelo site Já Não Dá para Abastecer e um dos 112 membros activos da VOST Portugal (acrónimo de Virtual Operations Support Team), um grupo de voluntários digitais que surgiu em 2018 para recolher e transmitir informação sobre o incêndio de Monchique (o maior daquele ano na Europa). Hoje, o colectivo inclui psicólogos, meteorologistas, engenheiros civis, carteiros, estudantes, bombeiros, profissionais do INEM e muitos programadores de norte a sul do país. São mais conhecidos pela conta @VOSTPT, no Twitter, onde já têm mais de 13 mil seguidores.
Sempre que há uma crise — sejam greves, alertas de tempestades, problemas com transportes ou incêndios a decorrer — a equipa entra em acção para garantir que os portugueses têm acesso à informação mais recente nas redes sociais. Durante a passagem da tempestade Leslie, em Outubro, por exemplo, os membros passaram a noite a tweetar e a confirmar as actualizações junto das autoridades. Mais tarde, em Abril, face à falta de informação durante a primeira paralisação dos motoristas de matérias perigosas, os membros com conhecimentos de programação decidiram criar a página Já Não Dá para Abastecer, onde o público podia consultar quais postos de abastecimento com qualquer tipo de falta de combustíveis. Foi nessa altura que Miguel se juntou ao grupo.
“A primeira plataforma foi criada em 12 horas. O meu irmão mais velho, o Mário, que já fazia parte do grupo, estava sobrecarregado com o site e eu decidi ajudar”, diz ao PÚBLICO Miguel Santos, que estuda engenharia electrotécnica e de computadores em Coimbra. “Depois, juntei-me a sério. Porque não voluntariar-me? Sempre gostei de ter projectos onde aplicar aquilo que aprendo na faculdade, e tenho sorte de não precisar de trabalhar nos tempos livre... Posso utilizar o meu tempo livre fora da universidade com outras actividades.”
Com esta crise nos combustíveis, chega a passar até dez horas a trabalhar na plataforma. A segunda versão actualmente em funcionamento permite encontrar os postos de combustível que fazem parte da rede de emergência (REPA) e quais os tipos de combustível (gasóleo, gasolina, GPL) disponíveis em cada posto. A precisão geográfica das bombas veio de uma parceria com a equipa portuguesa responsável pela aplicação de navegação Waze. “Queremos transmitir informação da forma mais correcta e simples possível. Uma história que conto sempre é como tivemos de alterar um pouco o site porque recebemos queixas de um senhor daltónico que não conseguia ver bem a plataforma”, diz Santos. “É preciso estar sempre atento a este tipo de detalhes.”
Um central de comando no mundo dos videojogos
Esta vasta equipa multidisciplinar comunica entre si e organiza-se no Discord, uma plataforma de mensagens gratuita, inicialmente criada para fãs de videojogos gerirem as suas contas nas redes sociais, mas que entretanto se popularizou para outros fins. Permite dividir os membros da VOST em várias equipas temáticas. Actualmente, a mais activa é a #fuelcrisis-agosto19, mas também há equipas em funcionamento focadas nos incêndios activos e noutro tipo de ocorrências, na vigilância dos dados meteorológicos do IPMA (Instituto Português do Mar e Atmosfera), ou na gestão das páginas e plataformas da VOST.
“Não temos local físico. Mas não precisamos. A vantagem de estarmos todos separados é que chegamos facilmente a qualquer ponto do país. Há sempre alguém que conhece alguém com as respostas. E o Discord é muito útil para dividir tarefas”, diz ao PÚBLICO Jorge Gomes, 49 anos, que é um dos fundadores da VOST. Na sexta-feira, o empresário esteve ligado desde as cinco da manhã e só parou às duas da manhã da madrugada seguinte.
Diz que há muito trabalho na VOST que o público em geral não vê. Além das redes sociais, é preciso falar com especialistas e confirmar a informação que chega. “Por exemplo, ontem vários dos nossos membros estiveram a visitar várias bombas de gasolina para confirmar se tinham combustível ou não.”
Por vezes, os donos dos postos de combustível facilitam a comunicação e ligam directamente à equipa da VOST (o contacto é disponibilizado nas redes sociais). Recentemente, a Prio também começou a disponibilizar dados oficiais dos seus postos de abastecimento para facilitar o trabalho. Desde Novembro que a VOST Portugal também é um membro oficial da rede VOST Europa. Com a crise dos combustíveis, a proximidade tem permitido à equipa portuguesa ter informação sobre os postos de combustível próximos da fronteira.
“Também há muito trabalho investido na área da programação. Temos tido sorte em atrair vários especialistas na área”, diz Gomes. O analista de sistemas João Pina, mais conhecido como @tomahock (o seu nome no Twitter), é outro dos membros da equipa. É também responsável pelo site fogos.pt, que fornece informação em tempo real sobre os incêndios activos no país, e a plataforma suprimidos.pt, onde se pode conferir as ligações ferroviárias canceladas em Portugal.
Uma equipa aberta
Os interessados em fazer parte da VOST podem candidatar-se através da página oficial (actualmente não está activa, porque o foco da equipa está todo na página Já Não Dá Para Abastecer). A selecção dos novos membros é coordenada por Isabel Silva, psicóloga de 43 anos, que também integra a equipa. “Como trabalho a tempo inteiro, ajudo muito através do telemóvel. É um dos benefícios desta nova forma de voluntariado. Todos podemos ajudar se organizarmos o nosso dia e soubermos quando conseguimos estar disponíveis”, diz Isabel Silva ao PÚBLICO. “Quando recebo os novos voluntários apenas destaco que é importante lembrarem-se que estão a fazer isto para ajudar e que nunca os pode prejudicar na vida pessoal ou profissional.”
Em 2019, a VOST não é o único exemplo de voluntariado digital acessível aos portugueses. Desde o ano 2000 que a ONU une pessoas motivadas com organizações que precisam de ajuda através da Internet (qualquer pessoa com mais de 18 anos pode registar-se). Tal como na VOST, a média de idades dos voluntários da ONU ronda os 30 anos, e o trabalho pode ser feito em qualquer local através do computador ou do telemóvel.
Além dos voluntários, há também quem ajude estas organizações de cidadãos ao disponibilizar acesso gratuito a ferramentas e plataformas para que estas equipas consigam trabalhar melhor. A CloudFlare, por exemplo, uma empresa dos EUA que fornece serviços de segurança da Internet, disponibiliza protecção aos sites Vost gratuitamente através do Galileo (um projecto a que organizações humanitárias se podem candidatar). E os mapas do Já Não Dá Para Abastecer foram disponibilizados pela startup norte-americana Mapbox. De resto, a VOST não gasta qualquer verba com serviços online.
“O que estes casos mostram é que a sociedade civil chega-se à frente quando é necessário. Há a ideia errada de que a nova geração não quer saber, e não é civicamente activa, mas não é verdade”, frisa Jorge Gomes. “A nossa visibilidade cresce quando há problemas, porque há pessoas que querem usar os conhecimentos que têm de tecnologia para o bem comum.”