Cenários idílicos habitados por pessoas horríveis: Succession é a série que não deve passar despercebida
Uma família de poder e fortuna ilimitados. Um argumento que parece de drama mas que é uma sátira amarga. Um sabor a Murdoch, mas também a Trump ou até aos Corleone. Segunda temporada estreia-se na segunda-feira na HBO Portugal.
Em Junho do ano passado, uma série que se apresenta como uma sátira familiar estreava-se calmamente na HBO americana. Agora, está de volta e comprova que, sendo uma comédia e um drama em simultâneo, é sobretudo um exemplo de humor tão negro e subtil que tem um sabor amargo e quase imperceptível. Porque não é um “Nós, os ricos”, mas sim um distante e ácido “eles, os ricos”. Os Roy são em parte os Murdoch, vivem o ar dos tempos Trump e há quem veja neles uma família tão emblemática quanto os Corleone de O Padrinho, ou os Lannister de A Guerra dos Tronos. Os Roy são uma família do seu tempo — do nosso tempo.
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Em Junho do ano passado, uma série que se apresenta como uma sátira familiar estreava-se calmamente na HBO americana. Agora, está de volta e comprova que, sendo uma comédia e um drama em simultâneo, é sobretudo um exemplo de humor tão negro e subtil que tem um sabor amargo e quase imperceptível. Porque não é um “Nós, os ricos”, mas sim um distante e ácido “eles, os ricos”. Os Roy são em parte os Murdoch, vivem o ar dos tempos Trump e há quem veja neles uma família tão emblemática quanto os Corleone de O Padrinho, ou os Lannister de A Guerra dos Tronos. Os Roy são uma família do seu tempo — do nosso tempo.
Intriga palaciana a rodos e sangue estão sempre na ementa de Succession, a série que esta segunda-feira estreia a sua segunda temporada na HBO Portugal. Vai ser à antiga, com um episódio de cada vez por semana, mas na plataforma de streaming está a temporada anterior para quem precisar de apanhar o comboio perdido em 2018 - quando a série criada por Jesse Armstrong não tinha distribuição (legal) em Portugal e quando a HBO fazia mais barulho promocional com Sharp Objects, por exemplo.
Jesse Armstrong criou esta história, um Dallas da era Fox News, depois de ter assinado The Thick of It com Armando Iannucci e de ter feito parte da armada britânica que levou Veep para a HBO. Esses mundos eram políticos; aqui vira também a mira para os media, representado pelo conglomerado Waystar Royco que detém um equivalente do canal Fox News e que esta temporada traz reforços femininos de nota para o o elenco, como Holly Hunter ou Jeannie Berlin.
Como Armstrong contava ao New York Times em 2018, a ideia começou nos Murdoch, Rupert e filhos, mas evoluiu, com a ajuda de Adam McKay (The Big Short) para um foco nas famílias dinásticas, nas oligarquias empresariais e seu alimento preferido: o poder. “A língua e a moeda desta família não é o amor, é o comércio”, disse ao mesmo jornal o actor Jeremy Strong.
Strong interpreta Kendall Roy, um dos quatro filhos de Logan Roy (Brian Cox), o cruel e amado patriarca que vai no terceiro casamento e cuja mulher é Marcia (a actriz israelo-árabe Hiam Abbass); a terceira mulher de Rupert Murdoch foi Wendi Deng, nascida na China. Logan tem como filhos Kendall, Roman (Kieran Culkin), e Siobhan Roy (Sarah Snook). Há um irmão mais velho, Connor (Alan Ruck), quase fora da jogada. Rupert Murdoch tem três filhos, Lachlan, James e Elizabeth. No ano passado, já com a série no ar, o actor Brian Cox foi interpelado num café em Londres por um homem que lhe dizia como gostava da série, mas que a mulher a achava “difícil de ver”. A sua mulher era Elizabeth Murdoch, como relatou o actor à revista Hollywood Reporter.
Cenários idílicos povoados por pessoas horríveis: esta é, segundo o crítico Matt Zoller Seizt, do site Vulture, “uma das melhores actuais séries da HBO e uma das melhores séries do canal dos últimos anos”. Na esteira do final de A Guerra dos Tronos, o blockbuster rentável do canal de prestígio americano, a história é também sobre um negócio de media convencional perante o dilema de ir ou não pela via digital (algo que aconteceu também em 2015 na Fox Corp.) e, ao mesmo tempo, é mais do mesmo: intriga familiar, jogos de poder. “Succession será a nova Guerra dos Tronos”, entusiasmava-se há uns meses a crítica do site Vox Emily Todd VanDerWerff.
O PÚBLICO já viu os primeiros episódios da segunda temporada e os motivos para os elogios da crítica à primeira temporada aplicam-se nesta segunda volta. Mas este não é um êxito mensurável às dezenas de milhões nas audiências como Tronos, embora já leve cinco nomeações para os Emmy na bagagem e tenha fãs famosos como Judd Apatow ou (a quarta e actual mulher de Murdoch) Jerry Hall. Apesar dos elevados valores de produção e de ser filmado em película, as salas de reuniões são frias e as lagostas mandadas para o lixo num capricho não fazem antever um êxito de massas. E depois, há o subtexto económico e político.
Esta família de gente difícil não existe no mesmo mundo que Os Sopranos ou o que o absurdo realista de Veep — nem, como aludem vários críticos, os Roy são os alucinantes Bluth de Arrested Development — De Mal a Pior. A América permitiu que se concentrasse a maior parte do dinheiro na menor quantidade de gente e os ecos reais da série são fortes; mesmo que agora se filme Succession com um estilo leve e adequado à sátira, no clima actual e na realidade “isto nunca acabou bem”, resume Adam McKay no diário nova-iorquino.
A história é uma luta pelo controlo do negócio da família perante os 80 anos do seu fundador e, por conseguinte, pelo controlo de um império de media, satélites e outras minudências. Talvez sejam de direita, mas também se estão borrifando, diz Brian Cox à revista; só Siobhan é mais próxima dos democratas. O dinheiro, o legado, o poder é o seu partido e quando o elenco se reuniu pela primeira vez no dia das presidenciais de 2016 não acreditavam que Donald Trump fosse eleito. Mais uma vez, Adam McKay terá dito o tudo em poucas palavras. “Bom, acho que estamos a fazer a série certa.”