Jamaica exige ao Museu Britânico que lhe devolva um deus da chuva e outras esculturas espoliadas há 200 anos

O movimento internacional pela restituição da arte a ex-colónias continua. Dada a composição do seu acervo, o Museu Britânico será um dos alvos preferenciais dos pedidos de restituição. Já está habituado.

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Está longe de ser a primeira vez que o Museu Britânico se vê a braços com um pedido de restituição feito por um Estado soberano. Há décadas que o Egipto exige que lhe seja devolvida a Pedra de Roseta, chave para a decifração dos hieróglifos, e que a Grécia reclama o regresso dos frisos e outras esculturas em mármores do Pártenon (o Reino Unido chama-lhes mármores de Elgin porque foi este lord, à época embaixador da coroa britânica junto do império otomano, que em 1806 os levou para a Grã-Bretanha) em campanhas envolvendo políticos e outras figuras públicas, até aqui sem resultados.

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Está longe de ser a primeira vez que o Museu Britânico se vê a braços com um pedido de restituição feito por um Estado soberano. Há décadas que o Egipto exige que lhe seja devolvida a Pedra de Roseta, chave para a decifração dos hieróglifos, e que a Grécia reclama o regresso dos frisos e outras esculturas em mármores do Pártenon (o Reino Unido chama-lhes mármores de Elgin porque foi este lord, à época embaixador da coroa britânica junto do império otomano, que em 1806 os levou para a Grã-Bretanha) em campanhas envolvendo políticos e outras figuras públicas, até aqui sem resultados.

A estes dois exemplos que estão entre os mais mediáticos no que diz respeito aos pedidos de restituição de património a grandes museus internacionais vem juntar-se agora mais um, sem que nele haja nada de surpreendente. A Jamaica, colónia britânica até 1962, quer agora que o Museu Britânico lhe devolva uma série de artefactos que foram levados desta ilha do Caribe há 200 anos.

As pretensões do Governo jamaicano, de que o museu garante não ter ainda qualquer conhecimento a título oficial, de acordo com o diário britânico The Guardian, foram formalizadas no Parlamento, em Kingston, pela ministra da Cultura, Olivia Grange. De acordo com um diário local, o Gleaner, Grange exigiu a restituição de vários artefactos levados para o Reino Unido durante os 300 anos em que o país pertenceu ao império britânico, em particular duas esculturas, uma representando um homem alado, descoberta numa gruta em 1792, e outra um deus da chuva, Boiyanel, feita há 500 anos.

“[Estas esculturas] nem sequer estão expostas”, disse Grange no Parlamento, ainda segundo o Gleaner. “Mas têm um valor inestimável, são muito importantes para a história da Jamaica e pertencem ao povo da Jamaica”, acrescentou, informando os outros parlamentares de que estão já a ser feitos esforços junto de vários organismos internacionais para que regressem a casa. A ministra quer de volta, também, os filmes feitos na ilha que documentam o seu desenvolvimento e que estão hoje em arquivos espalhados pelo mundo, escreve o diário jamaicano.

As esculturas a que Olivia Grange se refere foram criadas pelos tainos, o grupo indígena que habitava as Antilhas à data da chegada dos europeus, no século XV. Terão resultado das primeiras campanhas arqueológicas realizadas na Jamaica e chegaram ao Museu Britânico integradas na colecção de William Ockleford Oldman, um conhecido negociante de arte etnográfica do final do século XIX, começos do XX, escreve o Guardian.

Justificando a sua ligação a objectos produzidos pelos tainos, o Museu Britânico ressalva que tem dois em exposição — uma escultura e um pequeno banco ritual — e que muitos outros têm sido emprestados a museus na Índia, no Japão, em França e em Espanha, ou integrado mostras concebidas para andar em digressão.

Povos lesados

O debate em torno da restituição de artefactos pelos grandes museus internacionais a países que outrora fizeram parte dos territórios coloniais das principais potências europeias não é novo, mas conheceu nos últimos anos impulsos significativos. Um deles foi o relatório que o Presidente francês Emmanuel Macron encomendou a dois académicos, Felwine Sarr e Bénédicte Savoy, que resultou numa recomendação geral: o país deverá devolver a África toda a arte que de lá foi ilicitamente retirada durante o período de ocupação. Uma recomendação que poderá levar à reanálise da proveniência de cerca de 90 mil peças africanas espalhadas por 50 museus franceses, na sua esmagadora maioria incorporadas nas colecções antes de 1960, e que já pôs outros países a olhar para os acervos que têm em casa.

Curiosamente, lembram os críticos, o relatório Savoy/Sarr nada diz sobre as obras oriundas do Pacífico, onde ainda existem territórios dependentes de Paris (com o estatuto de colectividade ultramarina), que têm no Museu do Quai Branly a sua montra francesa mais importante.

O debate sobre a restituição da arte de territórios outrora ocupados aos países de origem promete continuar, e Portugal não deverá escapar-lhe. Países como a Holanda e a Alemanha estão já muito envolvidos: o primeiro muito por acção de grandes instituições culturais, como o Rijksmuseum, o segundo por reacção à pressão da opinião pública e a pedidos de indemnização de descendentes de povos lesados.