A Vanessa quer ter uma conversa séria

Como é habitual nos grandes momentos, a Vanessa embrulhou o mais que pôde para chegar ao assunto. Enquanto eu comia todas as tostas que havia no cesto, ela passou uma boa meia hora em conversa de chacha.

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A Vanessa quis jantar comigo. O que eu achei estranho foi o tom solene. O normal era ela ter telefonado e dito qualquer coisa como “’bora, vamos jantar”. Desta vez não. Ao telefone discorreu de uma forma tão atípica que me deixou a desconfiar de que alguma coisa não estava bem.

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A Vanessa quis jantar comigo. O que eu achei estranho foi o tom solene. O normal era ela ter telefonado e dito qualquer coisa como “’bora, vamos jantar”. Desta vez não. Ao telefone discorreu de uma forma tão atípica que me deixou a desconfiar de que alguma coisa não estava bem.

– Olá, ’tás boa? Precisava muito de falar contigo. É importante. Podes jantar hoje comigo às 10h no Café do Chiado?

A Vanessa sabe que eu gosto do Café do Chiado. Não é só pelo bife raspado (ainda usam o nome antigo dos hambúrgueres) mas porque me lembro de coisas boas que aconteceram ali – e outras menos boas mas que não dão para estragar o caso. Depois, está fora de moda, o que é uma bênção, e raramente se encontra gente conhecida (outra bênção, Deus me perdoe os ímpetos de anacoreta).

E à hora marcada eu lá estava no Café do Chiado. Como é habitual nos grandes momentos, a Vanessa embrulhou o mais que pode para chegar ao assunto. Enquanto eu comia todas as tostas que havia no cesto, ela passou uma boa meia hora em conversa de chacha. Tinha comprado um vestido giro nos saldos. A empregada agora não arrumava nada e esquecia-se de limpar o pó. O vizinho de cima gritava com as crianças e era uma seca. Queria arranjar um cão, mas achava que era difícil.

– Convidaste-me para jantar com esta solenidade toda por causa de um cão?

– Não, não é isso, mas podia ser.

Eu, que adoro cães, ainda sou do tempo em que os cães não eram pessoas. Falho imenso nesse capítulo. Esqueço-me de perguntar como estão os cães dos meus amigos, visitá-los quando estão doentes, telefonar a dar os pêsames quando morrem.

– Não, não é o cão. Não te vou pedir a opinião sobre o cão. Eu decido essas coisas sozinha. Aliás, eu decido quase tudo sozinha. Não preciso de bitaites de ninguém sobre a minha vida.

E, de repente, a Vanessa entrou naquele tipo de proclamações bastante irritantes tipo “ninguém tem nada a ver com o que quer que seja que me diga respeito”. Não é que isso não seja uma verdade universal, a proclamação é que é inútil.

Eu já começava a não aguentar tanta conversa à volta de coisa nenhuma.

– Bem, este jantar vem a propósito de quê? Não é por nada, é que estou um bocado cansada. Estou aqui há meia hora a comer tostas com patê e ainda não percebi porque é que quiseste jantar.

– Pá, arranjei um namorado.

– Um namorado?

– Quer dizer, conheci um gajo.

– Bem, arranjaste um namorado ou conheceste um gajo? Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

– Eu sei. O problema é que não sei. Na verdade não sei o que dizer. Tenho imensas dúvidas. Não percebo nada. Nem me percebo a mim.

(continua)