Sicília procura “turistas éticos” para uma ilha “livre da máfia”
A AddioPizzo Travel reúne empresas e guias turísticos que recusam pagar pela protecção da máfia. A Libera abre as quintas agrícolas aos visitantes para visitas, compras e estadias. Ambas lutam por uma Sicília livre de “padrinhos”.
Situada em pleno Mediterrâneo, à Sicília nunca faltaram visitantes ao longo dos seus 2500 anos de história. Agora, a ilha italiana quer atrair “turistas éticos”, que não queiram encher os bolsos dos grupos de crime organizado. Desafiando o estereótipo do siciliano mafioso, várias empresas estão a encaminhar os visitantes para hotéis, restaurantes e lojas “livres de máfia”.
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Situada em pleno Mediterrâneo, à Sicília nunca faltaram visitantes ao longo dos seus 2500 anos de história. Agora, a ilha italiana quer atrair “turistas éticos”, que não queiram encher os bolsos dos grupos de crime organizado. Desafiando o estereótipo do siciliano mafioso, várias empresas estão a encaminhar os visitantes para hotéis, restaurantes e lojas “livres de máfia”.
Na última década, a AddioPizzo Travel, uma empresa de cariz social ligada a um movimento antimáfia, tem trabalhado com os habitantes e empresas locais determinados a desafiar o status quo, recusando-se a pagar o pizzo, expressão da gíria siciliana referente ao quinhão exigido pela máfia para protecção. De acordo com um estudo de 2012, este é pago por quase três quartos das empresas sicilianas.
Além da lista de espaços “livres de máfia”, o site do projecto elenca passeios e visitas guiadas voltadas para a descoberta dos tesouros naturais e culturais da ilha, enquanto se aprende sobre a história da resistência cívica à máfia e se conhecem histórias de activistas e magistrados que pagaram com a vida a sua participação na luta contra o crime organizado.
“Queríamos promover a beleza das nossas paisagens e da nossa gastronomia sem os estereótipos que normalmente estão ligados à Sicília”, resume Dario Riccobono, fundador da AddioPizzo à Thomson Reuters Foundation, braço filantrópico da agência internacional de notícias. A ideia, acrescenta, era também promover “a beleza das pessoas que tiveram coragem de dizer não à máfia”.
Além dos turistas com preocupações éticas, o projecto tem atraído professores e educadores, de Itália, mas não só, interessados em promover a consciencialização dos alunos para o movimento antimáfia.
A iniciativa começou em 2004, quando um grupo de amigos de Palermo, capital da Sicília, cobriu a cidade com autocolantes onde se lia: “Um povo inteiro que paga o pizzo é um povo sem dignidade”.
O pizzo não é apenas um pagamento em dinheiro, mas um mecanismo implacável, que esmaga as empresas e as mergulha numa vasta rede criminosa. Em troca de pagamentos mais baixos, a máfia pode impor a contratação de pessoas ligadas ao grupo criminoso ou a utilização de fornecedores parceiros, ganhando o controlo efectivo do negócio.
Aqueles que se recusam a pagar acabam, muitas vezes, por receber ameaças de morte ou por tornar-se vítimas de vandalismo ou de fogo posto. Podem ainda enfrentar o ostracismo da comunidade local e perder clientes.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Rocco Chinnici descobriu que os pequenos empresários, como lojistas ou artesãos, pagam, em média, até 600 euros por mês à máfia para protecção, o que muitos empresários consideram ser uma despesa inevitável. Para grandes empresas, como supermercados ou construtoras, o valor pode chegar aos milhares de euros.
Economia limpa
O acto da AddioPizzo levou à criação de uma rede de apoio entre pequenas empresas que se recusaram a pagar o pizzo e consumidores locais dispostos a suportar uma economia limpa. Como a notícia se espalhou por todo o país e além-fronteiras, alguns turistas interessados em visitar a ilha começaram a contactar a associação para pedir conselhos para uma viagem livre de máfia. O resultado foi a criação da AddioPizzo Travel em 2009.
Hoje em dia, a empresa de cariz social trabalha com uma rede de mais de mil empresas em Palermo e nos arredores, identificáveis pelos autocolantes característicos colados nas janelas, que proclamam: “Eu pago a quem não está a pagar”. Em vez de atrair os grupos criminosos, Riccobono garante que os autocolantes cor de laranja são dissuasores, uma vez que qualquer acto de intimidação ou ameaça atrairia a atenção da polícia e dos media.
“Achamos divertido quando ouvimos confissões de mafiosos que se tornaram informadores”, assume o responsável. “A máfia prefere ficar longe porque sabe que os nossos membros não hesitariam em denunciá-los à polícia. Somos uma minoria, por isso não valemos a pena.”
Quanto à hipótese de as empresas cederem às ameaças, Riccobono garante que não tem sido esse o caso, até agora. “Nos últimos anos, as investigações policiais recuperaram os registos onde a máfia listava as empresas que pagavam o pizzo. Ninguém da AddioPizzo estava lá.”
Vinho, massa e estadias em quintas
A cidade de Corleone pode ter ganho fama mundial graças à ligação com o livro O Padrinho e a trilogia de filmes. Mas a associação antimáfia Libera prefere concentrar-se na criação de oportunidades de trabalho para pessoas locais actualmente no desemprego ou que, de outra forma, poderiam cair nas redes de crime organizado.
As empresas associadas cultivam produtos orgânicos em terras confiscadas à máfia e acabam de expandir a área de negócio ao turismo, com passeios e estadias nas quintas. Os visitantes podem visitá-las, comprar vinho orgânico, massas e outros produtos feitos localmente e participar em passeios guiados pelas aldeias de pedra, situadas no topo das colinas escarpadas da região em redor de Palermo.
“Iniciativas como estas mostram que os empregos livres de crime fazem sentido do ponto de vista económico”, comenta Lillo Gangi, activista da Libera. “Precisamos de dar oportunidades concretas se quisermos fazer mudanças que tenham impacto.” Caso contrário, diz, “é muito fácil para um desempregado com 18 anos acabar a ganhar três mil euros por mês como traficante de droga para a máfia”.
Mas, reconhecem os activistas, há ainda muito trabalho a fazer neste campo.