O eterno enigma dos códigos de conduta
Com o novo regime jurídico agora aprovado poderemos ter, no limite, códigos de conduta que tudo preveem e outros que, de conduta, apenas terão o nome.
Foi recentemente publicado o novo regime jurídico do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, revogando, de uma assentada, legislação vetusta que regulava a matéria há mais de 20 anos.
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Foi recentemente publicado o novo regime jurídico do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, revogando, de uma assentada, legislação vetusta que regulava a matéria há mais de 20 anos.
Ao fazer uma primeira leitura do diploma nesta animada silly season, tropeço, pela importância que assume na economia do novo quadro legal gizado, no sempre desafiante e enigmático mundo dos códigos de conduta.
Aí se refere, enfaticamente, que devem as entidades públicas a que o novo regime se irá aplicar aprovar, num prazo de 120 dias a partir da respetiva entrada em vigor, os seus códigos de conduta, publicá-los no jornal oficial e nos respetivos sítios da Internet.
Diriam os mais puristas que a transparência a isso obriga. E, quanto a isso, estamos bem entendidos, pois ainda bem que assim é! Na verdade, a dúvida que me suscita o novo regime é de outra natureza.
Refere o legislador que os códigos de conduta se destinam a desenvolver, entre outras, as matérias relativas a ofertas institucionais e hospitalidade. Mas que quererá isto significar? Existirão outras matérias para lá das relativas a ofertas institucionais e hospitalidade que podem (ou devem?) ser desenvolvidas pelas entidades públicas?
Para uns, provavelmente sim e, para outros, nem por isso. Mas se, por hipótese, existem outras matérias que devem constar dos códigos de conduta, a questão é de uma sibilina clareza. Quais?
E quais as matérias que, devendo constar, podem não ser consideradas pelas entidades públicas? Existem elementos obrigatórios, numa versão de kit mínimo, que devam constar dos códigos de conduta? Se sim, quais?
Assaltam-me estas dúvidas, pois se é verdade que resulta claro do novo regime legal a obrigação impendente sobre as entidades públicas de elaborarem códigos de conduta, já o mesmo não sucede quanto ao conteúdo (mínimo) que os mesmos devam revestir.
Se quisermos, uma espécie de bipolaridade patológica que combina vinculação quanto à elaboração e liberdade quanto ao conteúdo. No limite, poderemos ter códigos de conduta que tudo preveem e outros que, de conduta, apenas terão o nome.
Não pretendo com isto significar que os códigos de conduta não devam ser diferenciados em função de uma rigorosa avaliação dos riscos significativos de cada entidade e das suas próprias idiossincrasias, mas apenas e tão só deixar claro que, do ponto de vista da adequada prossecução do interesse público, se revelar de todo em todo desejável que os mesmos devam assumir um conteúdo mínimo uniforme que permita, a todos e a cada um de nós, descortinar no seu recorte algo mais do que um pomposo nome!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico