A barba que ameaça a Gillette
A multinacional acaba de ver o seu valor de mercado revisto em menos oito mil milhões de dólares (7,7 mil milhões de euros). Um dos motivos apontados é o gosto pela barba.
A Procter & Gamble (P&G) acaba de rever em baixa o valor da Gillette, em nada menos que oito mil milhões de dólares (7,17 mil milhões de euros). Esta decisão chega numa altura em que a P&G anunciou ganhos superiores ao esperado, sem deixar de registar perdas de 5,24 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros) muito por causa da marca em causa.
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A Procter & Gamble (P&G) acaba de rever em baixa o valor da Gillette, em nada menos que oito mil milhões de dólares (7,17 mil milhões de euros). Esta decisão chega numa altura em que a P&G anunciou ganhos superiores ao esperado, sem deixar de registar perdas de 5,24 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros) muito por causa da marca em causa.
O drama financeiro da multinacional de bens de consumo, sediada no estado norte-americano de Ohio, que abarca, entre outras, marcas como a Ariel ou a Oral-B, reflecte a desvalorização da moeda desde que, em 2005, a P&G absorveu a The Gillette Company, num negócio anunciado de 57 mil milhões de dólares (51 mil milhões de euros), mas sobretudo a quebra nas vendas fruto de uma actual apetência masculina por manter a barba por fazer.
A moda de 2013, inicialmente atribuída a ícones de Hollywood, como Brad Pitt, Chris Hemsworth, George Clooney ou Jake Gyllenhaal, que deixaram de fazer a barba por opção ou devido a qualquer papel que assim o exigisse, propagou-se mundo fora e, ao contrário do que muitos vaticinaram (de que estaria enterrada por esta altura…), parece estar para ficar.
O resultado foi uma forte quebra na procura das lâminas de barbear e consequentemente nos resultados líquidos das empresas que as fabricam — já em 2014, Will King, da empresa britânica de produtos de higiene pessoal King of Shaves, admitira que o fenómeno das “celebridades de barba”, registado um ano antes, havia afectado negativamente a indústria de artigos de higiene pessoal dos homens.
“Hoje, os homens não são julgados negativamente quando não se barbeiam - não são considerados preguiçosos nem desrespeitosos”, dizia, há um ano, o vice-presidente da Gillette da América do Norte, Massimiliano Menozzi, à CNN.
A opção entre barbear e não barbear parece mudar ao sabor dos tempos e está relacionada com a forma como os pelos na cara são encarados, como explicou o académico canadiano Allan Peterkin em One Thousand Beards – A Cultural History of Facial Hair (2001): “Numa altura, os pêlos na face são celebrados como divinos, masculinos e sábios (…); noutra, olhados como diabólicos e sujos.” Porém, para as contas da Gillette, esta vaga de homens barbudos está a durar há demasiado tempo.
Publicidade tóxica?
Se é assumido pela parte da P&G que a moda da barba está a afectar o seu negócio de lâminas de barbear, a multinacional não incluiu quaisquer declarações sobre a publicidade que, no início deste ano, colocou a marca no centro das atenções – e não só das melhores.
O anúncio, lançado a 13 de Janeiro, falava de bullying, de assédio sexual e, sobretudo, de masculinidade tóxica, perguntando directamente ao seu público-alvo “Is this the best a man can get?” — “É isto o melhor que um homem consegue?”, numa tradução livre.
As respostas não se fizeram esperar e, um pouco por toda a parte, choveram promessas de boicote à Gillette. No YouTube, onde o anúncio já foi visualizado mais de 30 milhões de vezes, as reacções espelham bem a forma como a publicidade criada pela nova-iorquina Grey continua a ser acolhida: 798 mil carregaram em “gosto”; quase o dobro, 1,5 milhões, marcaram a sua posição no botão “não gosto”.
A marca, no entanto, não cedeu: “A partir de hoje, comprometemo-nos a desafiar activamente os estereótipos e expectactivas do que significa ser um homem em todo o lado que se vir Gillette. Nos nossos anúncios, nas imagens que publicámos nas redes sociais, nas palavras que escolheremos e muito mais.” E, já em Maio, voltou a dar um passo nesse sentido ao lançar um anúncio em que se vê o transsexual Samson Bonkeabantu Brown, um artista com sede em Toronto, a barbear-se pela primeira vez na sua vida, com a ajuda do pai e sob o mote “Sempre, onde quer que aconteça — o seu primeiro barbear é especial.”