Tragédia na Walmart, a história de venda de armas de uma cadeia de supermercados

A marca criada por Sam Walton chegou a restringir a venda de armas, mas desde 2011 recuperou produtos que considera de herança patrimonial, como as armas.

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epa/LARRY W. SMITH

Os recentes episódios de violência armada nas lojas Walmart, com 20 pessoas mortas no sábado por um homem armado em El Paso, Texas, e dois mortos no Mississippi dias antes, chamam a atenção para a complicada história da empresa no que diz respeito à venda de armas. 

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Os recentes episódios de violência armada nas lojas Walmart, com 20 pessoas mortas no sábado por um homem armado em El Paso, Texas, e dois mortos no Mississippi dias antes, chamam a atenção para a complicada história da empresa no que diz respeito à venda de armas. 

As armas de fogo constituem há muito tempo uma parte fundamental dos negócios da Walmart. Além de maior empresa de venda a retalho do mundo, é muitas vezes referida também como o maior retalhista de armas de fogo do mundo.

Sam Walton, fundador da Walmart, era um apreciador de armas. Ávido caçador, instalou a sede em Bentonville, no Arkansas, precisamente para poder estar perto do rancho dos sogros, onde caçava codornizes. As espingardas Remington eram as suas favoritas, como se lê numa publicação da Field & Stream. Era tão entusiasta que o fabricante de armas, depois da sua morte, lançou um modelo comemorativo em sua homenagem.

A relação da marca com a venda de armas de fogo, contudo, tem sido instável nestes 26 anos desde que foi tomada a decisão histórica de deixar de permitir a venda de revólveres e pistolas. As políticas da Walmart para a venda de armas foram-se alterando, acompanhando os ventos económicos e políticos, embora a tendência geral tenha sido no sentido de maiores restrições.

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Em Julho deste ano, a Walmart anunciou que iria deixar de vender armas no estado do Novo México, depois da entrada em vigor de uma nova lei que exige a verificação dos antecedentes criminais para quase todas as vendas de armas privadas (entre amigos ou vizinhos, por exemplo), com excepção de antiquários e vendas entre familiares. A lei permite ainda que os vendedores de armas licenciados pelo governo federal — em que se incluem as lojas Walmart — façam essa verificação de antecedentes.

A empresa decidiu então suspender a venda de armas porque não conseguiria garantir essas verificações para vendas privadas, noticiava a Associated Press. Ter particulares a entrar num Walmart com as suas armas para solicitar uma verificação de antecedentes poderia criar situações confusas ou até perigosas, justificava a empresa.

No ano passado, a Walmart anunciou que aumentaria a idade mínima para a compra de armas de fogo, de 18 para 21 anos, e que iria remover do seu inventário produtos que lembrassem espingardas, como armas de airsoft e brinquedos, de acordo com o jornal The Washington Post. A empresa diria em comunicado que tomou essa decisão “à luz dos recentes acontecimentos” — referência ao tiroteio em massa numa escola de Parkland, estado da Flórida, que em Fevereiro fez 17 mortos.

Decisão pouco comum da parte da Walmart, que por diversas vezes atribuiu as mudanças introduzidas na venda de armas de fogo a factores relacionados com o mercado, mesmo quando outras questões pudessem estar envolvidas.

Clientes “desconfortáveis”

Em 1993, quando a Walmart decidiu deixar de vender armas ligeiras, não foi a primeira: outros grandes retalhistas, como a Sears e a J.C. Penney, já tinham retirado as armas de fogo das suas prateleiras anos antes, como o New York Times relatou na época.

Naquele ano, as taxas de homicídios e crimes violentos com armas de fogo tinham atingido recordes, segundo o Pew Research Center. Representantes da Walmart anunciaram que a empresa iria acabar com a venda de armas como pistolas e revólveres nas suas 2000 lojas, justificando que os estudos de marketing mostravam que as pessoas se sentiam “desconfortáveis” ao ver armas exibidas ao lado de roupas e utensílios domésticos.

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Embora as lojas continuassem a vender espingardas, algumas vozes se levantaram por receio que a decisão poderia corroer o legado de Sam Walton, falecido no ano anterior. “Era algo de que Sam gostava, um reflexo dele, e vão olhar para isto como algo que se afasta da tradição da Walmart”, afirmou ao NY Times Walter Loeb, presidente da Loeb Associates Inc., empresa de consultoria de retalho.

Outra grande mudança ocorreu em 2006, quando a Walmart anunciou que deixaria de vender armas de fogo em dois terços das suas lojas nos EUA (na altura eram cerca de 3000). Uma vez mais, a empresa justificou a decisão com o mercado, citando a “menor relevância destes clientes” nas áreas urbanas e suburbanas, para onde a Walmart estava a expandir-se. Também na altura os entusiastas da caça e das armas de fogo expressaram preocupações de que a empresa se estaria a afastar das suas raízes, voltadas para actividades ao ar livre, noticiava a Associated Press.

Dois anos depois, a Walmart tornou mais difícil comprar armas de fogo nas lojas que ainda as vendiam. A empresa assinou um plano liderado pelo então autarca de Nova Iorque, Michael Bloomberg, criando um registo informatizado de compras, introduzindo um controlo mais rigoroso de stocks e montando sistemas que permitissem filmar todas as vendas de armas de fogo. O site de notícias patrocinado pela Bloomberg The Trace, que escrevia sobre armas nos Estados Unidos, relatava que a medida tornou as políticas da Walmart mais duras do que as verificações de antecedentes do governo federal.

Sandy Hook

Com a crise económica, a partir de 2009, as vendas da Walmart caíram. E em 2011 a empresa voltou a encher as prateleiras com espingardas e munições, noticiava o Wall Street Journal. Parte de um esforço mais alargado para trazer de volta “categorias patrimoniais”, como equipamentos de costura e de actividades ao ar livre, depois de a Walmart ter falhado a introdução de mais produtos “sofisticados”. As vendas de armas estavam em alta na altura, motivadas em parte pelo receio de regulamentação por parte do governo democrata de Barack Obama. Metade das quase 4000 lojas Walmart, mesmo em algumas em áreas urbanas, voltaram a vender armas de fogo.

Em 2012, após o tiroteio em massa em Newtown, Connecticut, a Walmart resistiu aos pedidos de que parasse de vender armas semi-automáticas como a Bushmaster AR-15, espingarda que o atirador Adam Lanza usou para matar crianças e professores na escola de Sandy Hook, mas chegou a remover a arma das listagens do site por sensibilidade para com as vítimas, disse na altura um porta-voz à CNN.

Enquanto isso, nas semanas após o ataque, a espingarda semi-automática esgotou em lojas Walmart por todo o país. A empresa teve que limitar as vendas de munições depois da reeleição do presidente Barack Obama.

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Reuters

Três anos e vários tiroteios em massa mais tarde, contudo, a Walmart parou de vender a AR-15 e armas similares. A Reuters relatava que o anúncio foi feito no mesmo dia em que uma jornalista de televisão e o operador de câmara foram atingidos e mortos durante uma transmissão em directo no estado da Virgínia. A Walmart disse que a decisão não estava relacionada com esse incidente, nem nenhum outro tiroteio mediatizado. “Isso foi decidido apenas com base na procura dos clientes”, disse à Reuters Kory Lundberg, porta-voz da empresa. “Em vez disso, estamos a concentrar-nos em armas de fogo para caça e tiro desportivo”.

Alguns especialistas em retalho estavam cépticos, entre eles o consultor Burt Flickinger, que disse à Reuters que a decisão de abandonar a venda de espingardas de assalto reflectia uma liderança mais atenta às questões sociais. “Isso mostra que a Walmart desta década é bem diferente das quatro décadas anteriores”, afirmou Flickinger na altura.

O CEO da Walmart, Doug McMillon, que lidera a empresa desde 2014, enfatizou que quer continuar a dar atenção à caça e ao tiro desportivo, de que o fundador Sam Walton gostava. “O nosso foco, no que se refere a armas de fogo, devem ser os caçadores e pessoas que praticam tiro enquanto desporto”, disse à CNN, em 2015. “Acreditamos que é preciso servir estes clientes, fazemo-lo há muito tempo e acreditamos que devemos continuar.”

Essa mensagem surgiu novamente no ano passado. Em Fevereiro de 2018, duas semanas após o tiroteio em massa em Parkland, a Walmart emitiu um comunicado afirmando que iriam aproveitar a oportunidade para rever a sua “política de venda de armas de fogo”. “A nossa herança, como empresa, foi sempre servir a desportistas e caçadores e continuaremos a fazê-lo de maneira responsável”, lê-se na declaração.

Não se sabe se o Walmart em El Paso vendia armas de fogo no momento do tiroteio, nem como o suspeito obteve a sua arma.

Traduzido por Aline Flor