Tratado nuclear entre os EUA e a Rússia “formalmente morto”
O fim do INF era esperado, depois de meses de trocas de acusações entre Washington e Moscovo. Ninguém sabe que tipo de controlo de armamento irá seguir-se.
O tratado que durante três décadas travou o desenvolvimento de mísseis nucleares de alcance intermédio pelos EUA e pela Rússia deixou de ter efeitos a partir desta sexta-feira. O desfecho era esperado, depois de as duas potências nucleares se terem acusado mutuamente de violações ao acordo.
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O tratado que durante três décadas travou o desenvolvimento de mísseis nucleares de alcance intermédio pelos EUA e pela Rússia deixou de ter efeitos a partir desta sexta-feira. O desfecho era esperado, depois de as duas potências nucleares se terem acusado mutuamente de violações ao acordo.
O Kremlin decretou o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF, na sigla em inglês) “formalmente morto”, depois de Washington ter confirmado o abandono do tratado. “A Rússia é unicamente responsável pelo fim do tratado”, afirmou o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, num comunicado.
“Com o apoio total dos nossos aliados da NATO, os Estados Unidos concluíram que a Rússia está em violação material do tratado e, consequentemente, suspendeu as suas obrigações ao abrigo do tratado”, acrescentou Pompeo.
O INF tinha um fim anunciado desde que há seis meses a Administração de Donald Trump deu um prazo – esgotado esta sexta-feira – para que Moscovo voltasse atrás naquilo que caracterizou como “violações” ao tratado. Os EUA acusam a Rússia de ter desenvolvido mísseis 9M729, que a NATO designa como SSC-8, com um alcance que varia entre os 500 e os 5500 km, proibidos pelo INF.
Dirigentes do Governo dos EUA, sob anonimato, acusam a Rússia de ter “vários batalhões” de mísseis de alcance intermédio estacionados na região ocidental, “com capacidade para atingir objectivos críticos na Europa”, segundo a Reuters.
Moscovo negou desde o início estar a desenvolver armamento que viole os trâmites do INF, e considera que Washington apenas procurou um pretexto para abandonar o tratado.
Perante a ausência dos efeitos do tratado, o Kremlin propôs aos EUA a aplicação de uma moratória que impeça a instalação de mísseis nucleares em solo europeu.
Apelo de Guterres
O INF estava em vigor desde 1987, quando foi assinado por Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov. Para além de impor a redução de mísseis de alcance intermédio disparados a partir do solo, o tratado também incluiu o compromisso de não se fabricarem novas versões deste tipo de armamento, embora permitisse a sua investigação.
O tratado, ao abrigo do qual a Rússia e os EUA destruíram 2692 mísseis, era considerado um dos instrumentos mais eficazes para promover o desarmamento nuclear. Com o seu fim, as duas maiores potências nucleares passam a estar, teoricamente, livres para desenvolverem qualquer tipo de míssil com capacidade nuclear.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou o fim do INF, que classificou como “um travão valioso na guerra nuclear”. “Isto irá provavelmente aumentar, não reduzir, a ameaça apresentada pelos mísseis balísticos”, avisou Guterres. O dirigente renovou os apelos aos EUA e à Rússia para que “cheguem a acordo para um novo caminho comum para o controlo internacional de armas”.
O fim do INF abre uma era de maior incerteza quanto às capacidades nucleares das duas principais potências, livres dos constrangimentos e do controlo em vigor até agora. Nesse cenário, os analistas antecipam uma nova corrida ao armamento com efeitos imprevisíveis.
“Não há um plano para o que virá a seguir ao INF”, disse ao Guardian o antigo responsável pelo controlo de armamento do Departamento de Estado, Pranay Vaddi. “Não ter um plano ou, pelo menos, não ter uma previsão daquilo que se possa estar a planear para a segurança europeia e asiática após o tratado é o que me parece irresponsável”, afirmou o actual analista do Centro Carnegie.