Reciclar e compostar mais do que queimar: as novas prioridades na gestão do “lixo” urbano
Recolha selectiva e porta-a-porta são as grandes apostas na revisão da estratégia nacional para os resíduos urbanos, que foi publicada esta semana, e que recolhe aplausos da Zero e da Quercus
A nova versão do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU 2020+) deixa de lado o aumento no investimento na incineração do lixo que os portugueses produzem e coloca as fichas todas no incremento da reciclagem, com destaque para medidas destinadas à recolha e posterior compostagem da fracção orgânica, que representa metade do peso dos resíduos que produzimos. Com as metas europeias cada vez mais exigentes, e um desempenho nacional abaixo do que seria exigível, o Governo corre contra o tempo e põe no papel um ambicioso plano de investimentos que, apesar de alguns reparos, merece o aplauso da Quercus e da Zero.
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A nova versão do Plano Estratégico para os Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU 2020+) deixa de lado o aumento no investimento na incineração do lixo que os portugueses produzem e coloca as fichas todas no incremento da reciclagem, com destaque para medidas destinadas à recolha e posterior compostagem da fracção orgânica, que representa metade do peso dos resíduos que produzimos. Com as metas europeias cada vez mais exigentes, e um desempenho nacional abaixo do que seria exigível, o Governo corre contra o tempo e põe no papel um ambicioso plano de investimentos que, apesar de alguns reparos, merece o aplauso da Quercus e da Zero.
A aposta na incineração - vertida na versão do PERSU 2020+ que esteve no início do ano em discussão pública era controversa. Defendida pela Avaler - a associação que reúne as empresas de gestão de resíduos que exploram unidades de queima de lixo para produção de energia, e pelo próprio secretário de Estado do Ambiente da altura, Carlos Martins, a perspectiva de investimento de cerca de 200 milhões de euros no aumento da capacidade de queima já instalada no Grande Porto vinha sendo muito criticada pela Zero e não encontrava respaldo nas políticas europeias para o sector. A UE não financia e quer evitar ao máximo o recurso ao aterro, mas, além disso, o próximo orçamento comunitário não deverá já sequer apoiar novas unidades de queima de lixo urbano, pelo que se percebe das posições da Comissão e do Parlamento Europeu.
O Ministério do Ambiente não explicou o recuo nesta área que, segundo a Avaler, tem, actualmente, nas várias unidades já instaladas, capacidade para eliminar e valorizar energeticamente 1,14 milhões de toneladas de RU. Aliás, a incineração não será reforçada, mas mantém o seu papel complementar e “a produção em regime especial de energia a partir de resíduos deverá manter incentivos [na tarifa é que é vendida à rede]”. O que muda, lê-se no documento “é que os mesmos estarão indexados ao desempenho do sistema, no que respeita às metas de retoma de recicláveis de embalagens e às metas de preparação para reutilização e reciclagem”.
270 milhões de euros para recolher os bio-resíduos
Desistindo de aumentar a incineração, o cumprimento das metas europeias obriga o país a investir fortemente nos processos de reciclagem, quer ao nível da recolha selectiva, quer nas unidades de tratamento para onde as várias fracções de resíduos são encaminhadas. Ao nível da recolha, vai haver um reforço assinalável dos investimentos recentes na criação de circuitos porta-a-porta, abrangendo não só as embalagens, o papel e o vidro (mais 50 a 80 milhões de euros) mas também os resíduos orgânicos, ou bio-resíduos. Para estes, o Ministério do Ambiente prevê que, neste e no próximo quadro comunitário de apoio se possam ir buscar 85% dos 270 milhões de euros necessários para pôr boa parte do país a separar uma fracção que representa metade dos cerca de cinco mil milhões de toneladas de RU que produzimos anualmente.
O actual secretário de Estado, João Ataíde das Neves, que em Abril substituiu Carlos Martins destaca, nesta actualização do PERSU 2020, o redireccionamento “das opções estratégicas e dos investimentos”, e principalmente a aposta na recolha porta-a-porta e na criação de um fluxo para os bio-resíduos, que é “fundamental para o alcance das metas”. “Só com a sensibilização, consciencialização e mobilização dos vários agentes e de todos os cidadãos se conseguirá concretizar a visão e as metas do plano estratégico”, diz, numa nota enviada ao PÚBLICO na qual explica que o Governo vai estar atento ao desempenho dos vários agentes e instalar “uma comissão de acompanhamento e de monitorização, criando as bases para a elaboração do próximo PERSU 2035”, o ano em que as metas europeias nos obrigarão a reciclar 65% de todo o lixo urbano que produzimos, algo que implica mais do que duplicar o que alcançamos nos últimos 20 anos, lembra a Zero.
Esta associação e a sua congénere Quercus emitiram esta quinta-feira comunicados em que, no geral, elogiam a direcção seguida neste PERSU - aplaudindo, muito, o esforço prometido para os bio-resíduos - entre outras medidas contidas no documento que pode ser consultado no site da Agência Portuguesa do Ambiente. Mas, nos reparos, também eles vários, ao que esperariam ver vertido nas novas orientações para o sector, as duas associações ambientalistas coincidem na crítica à falta de ambição na área da prevenção dos resíduos - por via da redução do lixo que produzimos mas também da reutilização de alguns bens de consumo.
Notícia alterada a 3 de Agosto com correcção da capacidade instalada de incineração de resíduos para 1,14 milhões de toneladas